São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 1995
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Uma sentença a favor dos direitos humanos

LUIZA ERUNDINA DE SOUSA

A convite da fundação Lélio Basso, tive a oportunidade de participar, como depoente, de mais uma sessão do Tribunal Permanente dos Povos, que se realizou de 27/3 a 4/4 nas cidades italianas de Trento, Macerata e Nápoles.
A questão objeto de investigação e julgamento foi "A Violação dos Direitos Fundamentais da Infância e dos Menores" ao redor do mundo.
Como juízes, testemunhas e especialistas, participaram pessoas de 20 países e de quatro continentes, envolvendo instituições locais, universidades, ONGs e agências das Nações Unidas. Presidido pelo professor de direito internacional da Bélgica, François Rigaux, o júri teve como membros, entre outros, o prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel, o deputado federal Hélio Bicudo (PT-SP) e o magistrado e senador da Itália Salvatore Senese.
O quadro apresentado é estarrecedor. Ficou demonstrado que a violação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes ocorre no mundo todo. Nos países pobres, a situação atinge níveis de indecência e monstruosidade.
Em países da América Latina, crianças são raptadas e introduzidas nos circuitos da prostituição e da produção e difusão de material pornográfico; órgãos de crianças pobres são extirpados e vendidos a clínicas de transplantes do Primeiro Mundo; crianças e adolescentes são submetidos a trabalhos em regime de escravidão; adoções internacionais de crianças se fazem de forma indiscriminada, constituindo-se num comércio altamente lucrativo.
Acrescente-se a tudo isso os milhares de meninos de rua frequente e impunemente vitimados pela violência de traficantes, justiceiros e policiais. Nos EUA, cresce o número de menores condenados e submetidos à pena de morte.
Diante desses fatos, o tribunal proferiu sua sentença -em síntese, a seguinte:
- Confirma as condenações já pronunciadas em Berlim (1988) e Madri (1994) sobre as práticas do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, especialmente em relação às suas dramáticas consequências sobre as condições de vida das crianças dos países submetidos a programas de ajustes estruturais, que beneficiam exclusivamente os credores do país.
- Estende idêntica condenação aos governos dos sete países mais industrializados (G-7), que, no âmbito das instituições financeiras internacionais, têm majoritariamente o poder de decisão.
- Condena, também, os governos dos países que, pela pressão que lhes é imposta em virtude da sua dívida externa, sujeitaram-se às exigências das instituições financeiras internacionais, implementando políticas de ajuste estrutural que violam irremediavelmente os direitos fundamentais de suas populações.
- Condena os governos que concedem impunidade de fato aos autores de violência contra os menores.
- Condena os governos de países que, por omissão deliberada, faltaram ao dever de procurar os autores de infrações graves cometidas contra menores no território de sua competência, especialmente nos casos de adoção, de trabalho, de prostituição, de pedo-pornografia, de narcotráfico, de tráfico de órgãos, assim como aqueles que recrutaram menores para operações armadas.
- Denuncia que a maioria dos países que aderiram à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Infância -inclusive os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança- encaminharam apenas parcialmente as medidas necessárias à efetiva implantação da referida convenção.
O júri conclui com uma série de recomendações, a título de contribuição, para que as situações de opressão e de violação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes em todo o mundo sejam definitivamente eliminadas.
Não basta julgar e condenar crimes tão hediondos e lesivos à humanidade. É insuficiente também apontar seus principais responsáveis. Urge que se criem instrumentos de pressão política sobre os organismos internacionais e sobre os governos, para que se cumpra a Convenção Internacional sobre os Direitos da Infância da ONU e se elimine pronta e definitivamente tais crimes, punindo com rigor os criminosos.
É necessário ainda que se divulguem amplamente as conclusões do tribunal como forma de acordar a consciência de todos os cidadãos do mundo, para que ninguém fique omisso e para que se dê um basta a tanta perversidade e a tamanha violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes indefesos.

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