São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 1995
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A mão que balança as pedras

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - A Folha informou ontem sobre a morte do filho de Haidar Asaidi, nascido prematuramente depois que a casa de família, em Oklahoma City, foi apedrejada, no dia seguinte ao atentado contra um prédio da cidade.
Haidar é iraquiano refugiado nos Estados Unidos, e sua família foi a vítima direta de uma infâmia com ar inocente, a informação de que testemunhas do atentado haviam dito que os suspeitos tinham "aparência de ser do Oriente Médio".
Essa expressão é a quintessência do preconceito. Nenhum cidadão de Oklahoma ou de qualquer parte do mundo é capaz de identificar uma pessoa do Oriente Médio pela aparência, pela simples e boa razão de que não há um "identikit" próprio dessa região. A menos, é claro, que o cidadão use o kafieh típico dos palestinos, por exemplo, de preferência em quadriculado branco e preto, comum entre os militantes da OLP (Organização para a Libertação da Palestina).
O que essa descrição aparentemente inocente queria dizer é o seguinte: uma parcela importante da população norte-americana (e não só norte-americana) acha que árabe é igual a terrorista. Foi essa suposição que armou as mãos que apedrejaram a casa da família Asaidi.
Que alguns árabes dedicam-se ao terrorismo, até com apoio de governos, é inegável. Generalizar o preconceito, no entanto, é abrir as portas de par em par para o tipo de pogrom que se praticou contra os Asaidi.
O pior é que pode ser apenas o primeiro do gênero, tal a força do preconceito antiárabe, hoje, no mundo ocidental.
O que torna a coisa ainda mais triste é que uma parcela importante da sociedade israelense contribuiu e ainda contribui para a disseminação desse preconceito.
Pode-se entender, mas não justificar, que a quantidade de cadáveres que se empilham há milênios na Palestina tenha gerado ódios profundos, grudados às entranhas das duas tribos que reivindicam como seu esse território bíblico.
Menos ainda justificar que uma parcela dos judeus, vítimas maiores de preconceitos, o aceitem e disseminem. Mais do que qualquer outra tribo, devem saber como termina o que começa com um pequeno apedrejamento.

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