São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 1995
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Fisiologismo ideológico

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Impressionantes os recuos do governo. Não há semana em que o presidente da República não seja docemente constrangido a mudar de idéia ou de rumo. Docemente, também, ele explica que o recuo não vai interferir no seu programa e propósitos.
FHC levou para o poder 34 milhões de votos e apenas um equívoco que anula todos esses mandatos da expressão popular. Ele deve acreditar que votaram nele, FHC, professor, homem de bem, boa praça, simpaticão, cordato etc. Até eu torceria para que isso fosse verdade.
Votaram num espécime saído de laboratório, num frankenstein incruento, mas artificial e maligno. O candidato representou e absorveu apetites (o Jânio Quadros gostava muito de falar nesses "apetites").
Com as alianças que promoveu e aceitou, com os compromissos que buscou e foi obrigado, o candidato metamorfoseou-se no animal que conhecemos: o presidente escravo de acordos e interesses.
Fernando Henrique levou para o poder um projeto de governo, uma idéia de Estado. Eu não assinaria seu projeto, mas antes isso do que o fisiologismo ideológico que está comprometendo o seu tumultuado início de mandato.
Ao falar em fisiologismo ideológico não estou cometendo uma contradição entre termos. Talvez devesse falar em ideologia fisiológica. Dava no mesmo, talvez.
Ele quer encurtar o Estado, quer cortar o déficit, quer moralizar. Quer uma porção de coisas que julga boas e apropriadas para o país. Mas os aliados, os caciques que o elegeram, cobram o trivial variado, o forno e fogão da política. Gente que, junta, não teria um milhão de votos, impõe um milhão de compromissos.
Não adianta FHC alegar os 34 milhões de eleitores que nele votaram. Qualquer um desses caciques facilmente demonstraria que esse eleitorado nunca existiu realmente. Sobra ao presidente o dilema tradicional: ou dá ou desce. Collor tentou não dar e desceu. FHC recua. De recuo em recuo, ele desfigura sua imagem. E fabrica semanalmente um clima de insegurança e incompetência.

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