São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 1995
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Nassif, o gafanhoto e os sindicatos

ANTONIO NETO

Contam que um importante cientista foi fazer uma pesquisa sobre insetos. Colocou um gafanhoto em cima de uma mesa e deu um tapa embaixo da mesa. O bichinho, como era de se esperar, pulou. Em seguida, o pesquisador arrancou as perninhas do inseto, colocou-o no mesmo lugar e repetiu o gesto. Como era de se esperar, não houve o pulo. Tomado de grande inspiração, o cientista sentenciou:
- O gafanhoto ouve com as patas!
Assim é o jornalista Luís Nassif. Ele é um bom analista de fatos econômicos, mas suas conclusões são meio esquisitonas. No final de julho do ano passado, por exemplo, ele advogou em sua coluna da Folha ser "impossível pensar em saídas para a crise com a manutenção das regras atuais do jogo democrático".
Nassif queria uma "delegação de poderes, uma espécie de carta branca, concedida pelo Congresso ao primeiro-ministro (...), por exemplo, 60 dias de plenos poderes para o governo resolver a questão do encontro de contas do setor público". Na boca de articulistas menos refinados, isso se chamaria "golpe"; mas Nassif fez mil malabarismos para evitar o palavrão, apesar de as consequências serem as mesmas.
Em sua coluna na mesma Folha de 23 de março, o dono da Agência Dinheiro Vivo volta a realizar suas estranhas análises, desta vez se debruçando sobre o que desconhece: o movimento sindical.
Depois de dizer que "a elite sindical goza de vantagens incomparáveis; detém o controle de máquinas poderosas, seus membros escapam da sina do chão da fábrica (...), são financiados por contribuições compulsórias e têm o espaço reservado assegurado pela reserva de mercado da unicidade sindical", o colunista emenda afirmando que, "em troca de tudo isso, oferecem a seus representados o trabalho admirável e indispensável de chiar". No final, Nassif pergunta: "Por que esses cartolas dos parafusos não engrossam campanha exigindo co-gestão da Previdência?"
Vamos começar pelo fim. Em primeiro lugar, Nassif deveria saber que o movimento sindical não se organiza apenas nos setores industriais tradicionais. Não é só de parafusos que vive a economia brasileira e ele, que fala tanto em "modernização", deveria saber que em praticamente todos os ramos de atividades existem categorias organizadas; seja nas áreas fabris, rurais, de serviços etc. Seria bom Nassif se atualizar.
Em segundo lugar, é inegável o preconceito elitista que o pensamento vivo do jornalista traz embutido. "Sina do chão de fábrica" é no fundo o destino que ele deseja ao trabalhador, que não deve se organizar, reivindicar e nem nada. Bem pensantes devem ser poucos, como Nassif, que ditam do alto de seu espaço nos jornais as normas de conduta social.
Quanto à "reserva de mercado da unicidade sindical", o analista deveria saber que ela é uma conquista e que, para fazer frente aos poderosos monopólios transnacionais -estes, sim, reservas de mercado anacrônicas-, os trabalhadores precisam estar unidos. A outra alternativa seria a situação que já ocorre no Chile e Argentina, onde a fragmentação excessiva -alimentada pelos empresários- do movimento sindical impede qualquer mobilização mais consequente por parte dos trabalhadores.
Quanto ao "trabalho admirável e indispensável de chiar", qual é o problema? Ou Nassif quer que todos, como ele, façam parte dos contentes e bem-postos na vida que, antidemocraticamente, desejam calar as vozes discordantes? Propostas para o país o movimento sindical tem feito a todo momento. Elas vão desde a gestão democrática e a busca da eficiência nas empresas estatais, em vez de sua privatização pura e simples, até a reforma agrária e a redefinição do papel do Estado como organizador do desenvolvimento. O problema é que Nassif, além de ignorá-las, acha, como o tristemente célebre ministro alemão, que a "mentira repetida mil vezes vira verdade".
Finalmente, a questão da co-gestão da Previdência. Nassif, que escreve tanto, talvez não tenha tempo para ler. Se o fizesse, saberia que essa é uma reivindicação antiga do movimento sindical. Na realidade, antes do movimento militar de 64, ela chegou a se materializar através de vários fundos de pensão, como o Iapi, o Iapetec, o IAPB, o IAPC, etc. Por que isso acabou? Ora, foi mais uma obra do regime militar.
O jornalista Luís Nassif é um moço inteligente. Por isso, gostaria de convidá-lo a visitar nosso sindicato e viajar pelo país para conhecer um pouco mais da luta dos trabalhadores. E para não continuar achando que o ouvido do gafanhoto fica nas patas.

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