São Paulo, sábado, 29 de abril de 1995 |
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Francês diz que inspirou a bossa nova
ANDRÉ FONTENELLE
Salvador manteve seu estilo ao longo dos anos, mas teve que se adaptar aos novos tempos: gravou seu último CD nos EUA, pela Sony Music. Diz que teve que lutar para incluir no disco o tipo de música que sempre fez. O francês foi uma das grandes estrelas dos cassinos brasileiros, durante a Segunda Guerra. Desde então, se tornou fã da música brasileira. Jura até que é o inspirador da bossa nova. Ele explica por que nesta entrevista. Folha - Por que a música francesa não tem o mesmo prestígio do passado? Henri Salvador - É culpa, principalmente, das gravadoras. Não há mais gravadoras francesas. Como são multinacionais, fazem vir à França suas produções norte-americanas e as inculcam. Fazem de conta que contratam artistas franceses, que cantam coisas no estilo americano. Como têm influência na rádio e na TV, somos invadidos pela música americana. Folha - A qualidade da música francesa não teria caído? Salvador - De modo algum. São as gravadoras que não querem. Elas vão matar o folclore. Eu vi a parada de sucessos no Brasil, é igual. As 50 primeiras músicas são americanas e a 51ª é brasileira. E eu amo a música brasileira, é a mais bela do mundo. Há ótima música francesa, mas as gravadoras se recusam a contratar os jovens talentosos. Como eles querem gravar, a gravadora diz: "Não cante isso, nós vamos fabricar suas músicas". E fazem músicas ruins, quatro notas e quatro palavras, bum-bum-bum. Folha - Da nova geração, quem o sr. prefere? Salvador - Há muitos. Maxime Forestier, Yves Duteil, Alain Souchon, Laurent Voulzy -mas Voulzy já é influenciado pela música norte-americana. Há um grupo chamado TSF, os Poubelle Boys... Folha - O que o sr. acha dos rappers franceses, por exemplo? Salvador - Não gosto. Para mim, música é melodia e acordes. Do rap, embora digam que é poesia, eu não gosto. Detesto o rock'n'roll. Folha - O que o sr. conhece da música brasileira? Salvador - Do passado, conheço muito. Sou fã de Jobim. Ele disse uma vez -não a mim, mas me contaram- que graças a mim nasceu a bossa nova: eu cantei uma música em um filme -e essa música lhe deu a idéia de criar a bossa nova. Folha - Que música? Salvador - Era um filme italiano, "Europa di Notte". A música se chamava "Rose". Minha maneira de cantar teria inspirado esse cantor formidável... Folha - João Gilberto? Salvador - João Gilberto. Depois um outro cantou uma de minhas músicas, que se chama "Dans Mon Ile"... Folha - Caetano Veloso. Salvador - Isso. Ele veio uma vez a Paris. Adoraria conhecê-lo, mas não pude encontrá-lo. Folha - O sr. começou sua carreira no Brasil. Salvador - Poderia ter ficado por lá. Teria dado certo. Trabalhei nos cassinos: Urca, Quitandinha, São Paulo. Fui para lá com a orquestra de Ray Ventura (1908-79) e fiz muito sucesso. O patrão da Urca me disse: "A orquestra é ótima, mas é você que queremos". Assinei contrato e fiquei no Brasil de 1942 a 1945. Havia duas grandes vedetes francesas, Jean Sablon (1906-94) e eu. Sempre quis voltar, mas não tive oportunidade. Agora me disseram que é muito perigoso, é verdade? Folha - Os cassinos não existem há muito tempo... Salvador - Eu sei. Os brasileiros jogam demais. Lembro que, para ir da Urca a um outro cassino, era preciso atravessar a baía. Os passageiros que perdiam no jogo se atiravam no mar. Folha - De que artistas o sr. se lembra? Salvador - Faz muito tempo... Havia Grande Otelo, que infelizmente morreu. Uma vez ele veio à França e falamos ao telefone. Queria que eu fosse fazer com ele um teatro de revista. Não pude, porque sou muito preguiçoso. Folha - O sr. era famoso no Brasil. Por que não ficou? Salvador - Eu podia ter ficado, mas queria fazer carreira na França. Falava português tão bem que muita gente pensava que eu era carioca (em português): "Salvador, como vai você?" Foi no Brasil que aprendi o "music-hall", a fazer esquetes. Uma vez, em Belo Horizonte, ninguém ria das minhas piadas. Aí notei que todos jogavam um jogo chamado víspora. Fiz um esquete sobre a víspora. Deu certo. Texto Anterior: Rio insere Rodin em suas belezas naturais Próximo Texto: Orson Welles faz versão compacta do "Othello" de Shakespeare Índice |
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