São Paulo, sábado, 29 de abril de 1995
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Francês diz que inspirou a bossa nova

ANDRÉ FONTENELLE
DE PARIS

Henri Salvador, 77, é um dos dois únicos cantores dos anos 40 cujos discos ainda entram no "hit-parade" francês -o outro é Charles Trenet, 82.
Salvador manteve seu estilo ao longo dos anos, mas teve que se adaptar aos novos tempos: gravou seu último CD nos EUA, pela Sony Music. Diz que teve que lutar para incluir no disco o tipo de música que sempre fez.
O francês foi uma das grandes estrelas dos cassinos brasileiros, durante a Segunda Guerra. Desde então, se tornou fã da música brasileira. Jura até que é o inspirador da bossa nova. Ele explica por que nesta entrevista.

Folha - Por que a música francesa não tem o mesmo prestígio do passado?
Henri Salvador - É culpa, principalmente, das gravadoras. Não há mais gravadoras francesas. Como são multinacionais, fazem vir à França suas produções norte-americanas e as inculcam. Fazem de conta que contratam artistas franceses, que cantam coisas no estilo americano. Como têm influência na rádio e na TV, somos invadidos pela música americana.
Folha - A qualidade da música francesa não teria caído?
Salvador - De modo algum. São as gravadoras que não querem. Elas vão matar o folclore. Eu vi a parada de sucessos no Brasil, é igual. As 50 primeiras músicas são americanas e a 51ª é brasileira. E eu amo a música brasileira, é a mais bela do mundo. Há ótima música francesa, mas as gravadoras se recusam a contratar os jovens talentosos. Como eles querem gravar, a gravadora diz: "Não cante isso, nós vamos fabricar suas músicas". E fazem músicas ruins, quatro notas e quatro palavras, bum-bum-bum.
Folha - Da nova geração, quem o sr. prefere?
Salvador - Há muitos. Maxime Forestier, Yves Duteil, Alain Souchon, Laurent Voulzy -mas Voulzy já é influenciado pela música norte-americana. Há um grupo chamado TSF, os Poubelle Boys...
Folha - O que o sr. acha dos rappers franceses, por exemplo?
Salvador - Não gosto. Para mim, música é melodia e acordes. Do rap, embora digam que é poesia, eu não gosto. Detesto o rock'n'roll.
Folha - O que o sr. conhece da música brasileira?
Salvador - Do passado, conheço muito. Sou fã de Jobim. Ele disse uma vez -não a mim, mas me contaram- que graças a mim nasceu a bossa nova: eu cantei uma música em um filme -e essa música lhe deu a idéia de criar a bossa nova.
Folha - Que música?
Salvador - Era um filme italiano, "Europa di Notte". A música se chamava "Rose". Minha maneira de cantar teria inspirado esse cantor formidável...
Folha - João Gilberto?
Salvador - João Gilberto. Depois um outro cantou uma de minhas músicas, que se chama "Dans Mon Ile"...
Folha - Caetano Veloso.
Salvador - Isso. Ele veio uma vez a Paris. Adoraria conhecê-lo, mas não pude encontrá-lo.
Folha - O sr. começou sua carreira no Brasil.
Salvador - Poderia ter ficado por lá. Teria dado certo. Trabalhei nos cassinos: Urca, Quitandinha, São Paulo. Fui para lá com a orquestra de Ray Ventura (1908-79) e fiz muito sucesso. O patrão da Urca me disse: "A orquestra é ótima, mas é você que queremos". Assinei contrato e fiquei no Brasil de 1942 a 1945. Havia duas grandes vedetes francesas, Jean Sablon (1906-94) e eu. Sempre quis voltar, mas não tive oportunidade. Agora me disseram que é muito perigoso, é verdade?
Folha - Os cassinos não existem há muito tempo...
Salvador - Eu sei. Os brasileiros jogam demais. Lembro que, para ir da Urca a um outro cassino, era preciso atravessar a baía. Os passageiros que perdiam no jogo se atiravam no mar.
Folha - De que artistas o sr. se lembra?
Salvador - Faz muito tempo... Havia Grande Otelo, que infelizmente morreu. Uma vez ele veio à França e falamos ao telefone. Queria que eu fosse fazer com ele um teatro de revista. Não pude, porque sou muito preguiçoso.
Folha - O sr. era famoso no Brasil. Por que não ficou?
Salvador - Eu podia ter ficado, mas queria fazer carreira na França. Falava português tão bem que muita gente pensava que eu era carioca (em português): "Salvador, como vai você?" Foi no Brasil que aprendi o "music-hall", a fazer esquetes. Uma vez, em Belo Horizonte, ninguém ria das minhas piadas. Aí notei que todos jogavam um jogo chamado víspora. Fiz um esquete sobre a víspora. Deu certo.

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