São Paulo, sábado, 29 de abril de 1995 |
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Orson Welles faz versão compacta do "Othello" de Shakespeare
JOSÉ GERALDO COUTO
Canal: Rede Cultura Horário: 22h30 Não é todo dia que a televisão exibe uma obra-prima inédita como "Othello", assim como não é todo ano que nasce um Orson Welles, nem todo século que nasce um Shakespeare. A tragédia, escrita pelo dramaturgo inglês em 1604, trata, como se sabe, de uma trama de ciúme. Othello, general mouro a serviço de Veneza, casa-se com Desdêmona, filha de um senador da cidade. Durante campanha contra os turcos em Chipre, Othello sofre as intrigas do subalterno Iago, que o faz crer num adultério de Desdêmona com o oficial Cassio. Não seria exagero dizer que nesta peça Shakespeare de certo modo "inventou" o ciúme tal como o conhecemos -e sofremos- até hoje. Como bem o sabe o Machado de Assis de "Dom Casmurro", o ciúme -"monstro de olhos verdes", segundo a célebre frase de Iago na cena três do segundo ato- distorce a percepção que sua vítima tem do mundo, reorganizando o espaço e o tempo reais. É esse universo em desequilíbrio que Shakespeare (1564-1616) criou de forma definitiva em "Othello" e Orson Welles (1915-85) transpôs para o cinema em 1952. O cineasta levou dois anos nas filmagens, a todo momento interrompidas por problemas de dinheiro, cenário, figurinos. Filmou no Marrocos e na Itália com um elenco multinacional pouco conhecido (à exceção dele próprio no papel-título): Micheal Liammoir como Iago, Suzanne Cloutier como Desdêmona, Michael Laurence como Cassio. A sequência dos próceres venezianos num banho turco foi inventada por Welles no set, em Mogador (na costa atlântica do Marrocos), para suprir a falta de figurinos: "Num banho turco, as pessoas não precisam de roupas", explicou o diretor, anos depois. Enquanto rodava a cena, costureiros e alfaiates locais confeccionavam a toque de caixa roupas inspiradas em quadros do pintor veneziano Vittore Carpaccio (1460-1526). Todo o figurino do filme vem dessa fonte. Também por conta das inúmeras interrupções, mudanças de locação e dispersão do elenco, o filme acabou se tornando notavelmente fragmentado, com poucos planos de longa duração -ao contrário de "Macbeth", que Welles filmara em 48 totalmente em estúdio e com marcação rigidamente teatral. Como costuma acontecer com os grandes artistas, Welles fez de seus percalços um fator de invenção. Filme de montagem, com saltos bruscos de enquadramento e ambiente, seu "Othello" configura de maneira admirável a atmosfera vertiginosa e doentia da peça de Shakespeare. Sua maior proeza consistiu em erigir uma unidade dramática compacta (o filme só tem 90 minutos) a partir do caos e do fragmento. Sua imagem mais forte e recorrente é a de um Othello em primeiro plano com o rosto atormentado, tendo ao fundo céu e mar ameaçadores, conjurados contra ele pelo monstro de olhos verdes. Texto Anterior: Francês diz que inspirou a bossa nova Próximo Texto: Ornitorrinco 2 leva mistério de Vargas Llosa até Nova York Índice |
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