São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Inflação em alta é maior problema do Real

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O Plano Real passa por um momento difícil dada a reunião de fatores negativos na economia e na política.
Na economia, o problema principal do momento é a subida dos índices de inflação, que, em abril, passam do patamar dos 2%. É o segundo mês seguido de alta.
Isso estava previsto pelo governo, mas ocorre em um momento em que o outro grande problema, o déficit do comércio externo, ainda não está resolvido.
No lado político, os problemas estão nas dificuldades do governo em articular a votação das reformas econômicas no Congresso Nacional. Isso vinha criando a sensação de que tudo estava fazendo água.
Na última semana, porém, o governo se manteve o tempo com a iniciativa, o que alterou o quadro. Mas embora as expectativas tenham melhorado, as dificuldades permanecem.
Eis o quadro econômico do momento:
Déficit comercial
Situação - desde novembro, o país vem tendo déficit no comércio externo. Em circunstâncias normais, os números não seriam alarmantes. Mas depois da crise do México, esse déficit é perigoso.
Sua persistência gera a desconfiança de que o país caminha na mesma direção do México, que ficou sem dólares para pagar suas contas externas (importações, juros, prestações de dívidas).
Essa desconfiança provoca uma saída de capitais, acentuando a perda de dólares.
Ação do governo - Desvalorizou o real em março, encarecendo as importações em geral, e elevou imposto de importação de carros e produto eletroeletrônicos. Além disso, aplica política de redução do consumo interno, que faz diminuir a procura por produtos importados.
Resultado - O déficit comercial reduziu-se de fevereiro para março, mas muito pouco. Foi de um recorde de US$ 1,1 bilhão para US$ 900 milhões. Mas como as medidas de ajuste foram tomadas em março, seu impacto maior será sobre importações que estarão chegando no país em maio e junho.
Perspectiva - O governo ganha se conseguir déficits acentuadamente decrescentes.
Alta da inflação
Situação - Todos os índices de preços mostraram alta de fevereiro para março e de março para abril, quando passam dos 2% mensais. Dois meses seguidos de alta, interrompendo uma trajetória de quatro meses de queda, criam instabilidade e despertam pressões por indexação.
Ação do governo - Aplica política de redução do consumo, mantem estáveis preços de combustíveis e de serviços público, reduz o imposto de importação de alimentos e insumos.
Resultado - A alta verificada em abril está sendo menor do que a prevista, mas isso ainda é pouco. A aposta maior do governo está em maio, para quando espera uma queda nos índices.
Perspectiva - Fatores de alta da inflação em março e abril (aluguéis, mensalidades escolares e vestuário) não devem repetir-se em maio. Por outro lado, o aumento do mínimo, dos salários atrelados a ele e das aposentadorias joga mais R$ 1,4 bilhão no consumo. E muitas empresas estão tentando aproveitar o ambiente para reajustar seus preços.
Já houve dois meses de alta seguida da inflação (outubro e novembro), que também geraram previsões de descontrole. Mas os índices caíram a partir de dezembro. O governo acha que a história pode repetir-se.
Votação das reformas
Situação - O ajuste nas contas públicas obtido até aqui é precário, feito na base de atrasos nos pagamentos e deterioração dos serviços públicos. O ajuste permanente depende das reformas que o governo propôs ao Congresso Nacional, de modo que a demora na votação gera expectativas negativas.
O problema não é tanto o atraso, mas a sensação de que a própria aprovação das reformas está em perigo. E sem essas reformas, o Plano Real tem sobrevida curta.
Ação do governo - Com seu pronunciamento pela televisão na última quarta-feira, o presidente FHC foi à luta para pressionar o Congresso e tentar "ganhar" a opinião pública para as reformas. E trata de se articular no Congresso.
Resultados - O governo ganhou duas votações importantes na semana.
Perspectivas - O governo conseguirá reverter as expectativas se o Congresso aprovar as emendas constitucionais que eliminam o monopólio do petróleo, das telecomunicações e da distribuição do gás ainda neste semestre. Se a votação atrasar, a confiança no plano diminui um pouco. Se o governo perder, terá que refazer o plano ou inventar outro.
Privatização empacada
Situação - Em quatro meses, o governo FHC não havia vendido nenhuma das estatais que já estavam no programa de privatização. E também não havia incluído nenhuma empresa nova nesse programa.
Ação do governo - Incluiu no programa a Companhia Vale do Rio Doce e as subsidiárias da Eletrobrás (Eletronorte, Eletrosul, Furnas e Companhia Hidrelétrica do São Francisco, Chesf, distribuidoras de energia elétrica).
Resultados - As Bolsas subiram e os meios econômicos receberam animados o avanço no programa de privatização.
Perspectivas - O governo só manterá essa expectativa positiva se começar logo a vender as 17 estatais já inscritas no programa. Tem chance. As estatais da lista (14 petroquímicas, duas distribuidoras de energia elétrica e um banco, o Meridional) terão muitos compradores.
Consumo aquecido
Situação - O consumo vem crescendo mais depressa do que a capacidade da indústria de aumentar sua produção. O excesso de procura vinha sendo atendido por aumentos sistemáticos da importação. Mas o governo, agora, quer conter as importações. E com menos importações, o produtor local tem espaço para aumentar seus preços.
Ação do governo - Aplicou sucessivos pacotes para conter o crédito e as vendas a prestação.
Resultados - Impediu uma explosão de consumo, e de preços, mas toda a economia continuou muito aquecida até abril, quando novas medidas foram tomadas.
Perspectivas - Aguarda-se o efeito do último pacote. Nos meios econômicos se acredita que o consumo vai cair por causa da inadimplência dos consumidores que compraram a prestação. Mas essa previsão de queda fora feita para abril e não se confirmou.
Em conclusão, pode-se dizer que o Plano Real não está morto e que o governo mostrou ter muita munição.
Mas o quadro mostra claramente que há um longo caminho até a estabilidade duradoura.

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