São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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O neoliberalismo tardio

ALOIZIO MERCADANTE
PARA A MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES, COM QUEM SEMPRE APRENDO.

O Brasil é um país marcado por uma pesada herança colonial e escravista, que só viveu o processo de industrialização quando o capitalismo internacional estava na etapa monopolista, avançando na sua segunda revolução industrial.
Esta condição história de um desenvolvimento capitalista tardio nos impôs restrições financeiras e tecnológicas estruturais. O processo de substituição de importações e o Estado desenvolvimentista impulsionaram ao longo da história recente o desenvolvimento econômico e a industrialização do país.
Porém, foram duramente impactados pela chamada terceira revolução industrial, marcada pela nova base tecnológica (eletrônica, informática, automação, engenharia genética, novos materiais e novas formas de gestão da produção), que promove a globalização do processo produtivo e do sistema financeiro e a formação dos blocos econômicos, entre outras importantes mudanças na economia internacional.
Neste novo contexto, os organismos multilaterais, como FMI e Banco Mundial, e os macromercados, como o Mercosul, reduzem a capacidade de ação do Estado nacional e ganham importância no processo decisório de cada um dos países latino-americanos.
Em meio a estas mudanças estruturais, o projeto neoliberal vem se impondo na forma de ajustes econômicos e sociais que procuram uma completa liberdade de ação do capital.
A abertura comercial, desregulamentação cambial e financeira e "flexibilização" das relações de trabalho são impostas pelos países centrais e organismos multilaterais e adotadas pelo Brasil a partir de 1990, aumentando a vulnerabilidade externa e desorganizando setores produtivos.
Paralelamente, estamos assistindo a um modelo de estabilização da economia, com o Plano Real, baseado na valorização cambial para sustentar a estabilidade dos preços e a elevação brutal dos juros para tentar reter capitais externos, afetando o financiamento das empresas e sua competitividade.
O Brasil está praticando a terceira maior taxa de juros da economia internacional! A abertura comercial, com cambio sobrevalorizado, comprometeu o saldo comercial e os juros elevados conduzem o país a um endividamento interno acelerado e potencialmente desestabilizador.
O que está comprometendo o Plano Real não é o salário mínimo, a Previdência Social ou os monopólios estatais. São as contradições da própria política econômica no tripé juros/câmbio/endividamento, que quebram o Tesouro, deterioram as políticas sociais e a capacidade de investimento e financiamento do setor público e desgastam a base de sustentação do governo.
A saída conservadora que o governo apresenta à nação se reduz na privatização da mais importante base mineral do país, concentrada na Vale do Rio Doce, além da "flexibilização" dos monopólios do petróleo e telecomunicações. Isto é a desarticulação dos sistemas básicos de infra-estrutura econômica, determinantes para a competitividade.
A fragmentação de empresas da infra-estrutura básica, nos países que já viveram esta experiência, tem representado a perda da capacidade de planejamento estratégico da economia; substituição do monopólio público pelo privado, com elevação de tarifas, além da perda da competitividade sistêmica.
As empresas estatais brasileiras foram artificialmente endividadas desde meados dos anos 70 para fechar o balanço de pagamentos; tiveram de forma recorrente os preços e tarifas congelados para contribuir na estabilização da economia, como agora, além do uso político do empreguismo e corporativismo.
É inaceitável que se fale em concorrência aonde existe monopólio natural, como na rede física de telecomunicações ou energia elétrica. Estes setores estratégicos exigem planejamento estratégico e coordenado.
A ruína financeira e desestruturação destas empresas estatais estratégicas e estruturadoras do desenvolvimento nacional poderão comprometer não só a capacidade de regulação econômica do Estado, mas o próprio projeto nacional de desenvolvimento e inserção competitiva da nossa economia.
O Brasil atrasou o ajuste neoliberal, ganhou tempo com o impeachment de Collor e pode aprender decisivamente com as experiências fracassadas da América Latina, onde a Bolívia é a mais recente, o México a mais importante e a Argentina a próxima vítima.
O neoliberalismo, com esta ideologia simplificadora de que o mercado por si só regula a economia, tem inviabilizado estruturalmente alguns países do continente. O neoliberalismo tardio imposto ao país poderá comprometer decisivamente nossas possibilidades históricas como nação.
O Brasil, ao contrário de toda a América Latina, ainda possui empresas estratégicas, com capacidade técnica, financeira e organização para operar nacional e internacionalmente e contribuir decisivamente para a articulação de um projeto nacional de desenvolvimento e com a inserção competitiva do país, como são a Vale do Rio Doce, Petrobrás e Telebrás.
O que cada uma destas empresas precisa é de liberdade operacional que preserve a nacionalidade econômica, articulada ao resgate de seu caráter público, através de mecanismos que assegurem transparência do controle social e democrático.
É evidente que os problemas do Plano Real, que não são poucos e nem pequenos, não estão nestas empresas estatais mal-administradas, mas ainda assim rentáveis. Não são estas empresas que sobrevalorizam o dólar, mantém os juros elevadíssimos e agravam o endividamento do país.
A estabilidade duradoura e o desenvolvimento não serão alcançados sem a reforma tributária e fiscal e um processo muito longo de retomada de investimentos, aumento de eficiência econômica e competitividade, com a implantação de corajosas reformas sociais, em especial na educação pública.
O capitalismo tardio foi uma determinação histórica, o neoliberalismo tardio é uma opção que está sendo imposta, mas que ainda pode ser evitada. Reage Brasil.

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