São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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O governo vai quebrar o país

LUÍS NASSIF

O catastrofismo só se justifica em uma circunstância: quando se está prestes a produzir uma catástrofe. Se não acordar a tempo, o governo FHC vai produzir uma recessão cavalar, um festival de inadimplência semelhante ao ocorrido com o Cruzado 2.
Repete-se a mesma leviandade da política cambial do ano passado. Desvalorizou-se o dólar em 15%, abriram-se as portas das importações, tendo em mente reduzir o superávit comercial para US$ 5 bilhões. Como se fosse possível ter esse grau de controle sobre os agregados econômicos. O país está há meses produzindo déficits mensais da ordem de US$ 1 bilhão. Como aprendizes de feiticeiro, apertaram um botão e produziram um terremoto.
Agora, repete-se a irresponsabilidade, arrochando-se o crédito. Da mesma maneira que no desastre cambial, a equipe não dispõe de indicadores confiáveis de tendência de consumo, nem de convivência adequada com o mundo real, para conduzir-se com segurança pelo processo. Comporta-se como o médico que vai operar o paciente, sem dispor de radiografias prévias.
Em geral, os indicadores de consumo refletem uma situação estática. Há várias semanas há duas enormes vagas sendo formadas na economia, que se acentuaram agudamente na semana passada, e que ainda não entraram nas estatísticas.
A primeira, a onda da inadimplência das pessoas físicas. Um dos grandes bancos de varejo do país, bastante conservador, detectou que 80% dos clientes que possuem cheque especial estão no vermelho.
A segunda vaga é a inadimplência nas empresas. Os índices de inadimplência já vinham crescendo de maneira acentuada desde janeiro. Grande parte da economia estava rolando suas dívidas no curto prazo. Ao estancar completamente o crédito, impedindo esse pessoal de rolar suas dívidas, e de financiar as suas vendas, o governo produziu um coquetel mortal. Tão mortal que não vai ser mantido.
A questão é que a equipe econômica só vai se dar conta do desastre depois que estiver consumado um estrago considerável na economia. E qual o objetivo dessa violência? Varrer por mais alguns meses para debaixo do tapete os erros cometidos na política cambial. O problema do excesso de consumo só se relaciona a seus efeitos sobre as importações.
O pior da história é que essa recessão não vai resolver, por si, a questão do desajuste cambial. Vai ter que se fazer o ajuste mais à frente, e em cima de uma economia desorganizada.
O presidente precisa ter comportamento de estadista. Desde que resolveu falar francamente, e encarar a verdade, ganhou confiabilidade para conduzir as reformas. Está na hora de admitir os erros da política cambial, anunciar o ajuste do câmbio, encarar uma certa volta da inflação, se for o caso, e reiterar o apoio às reformas. Não é justo que se sacrifique todo o país, apenas para impedir que o governo sofra o desgaste de consertar o câmbio.
Solicito que, quando começar a quebradeira das empresas, e voltar o desemprego em doses violentas, que os senhores Ciro Gomes, Winston Fritsch, Edmar Bacha e Gustavo Franco ocupem uma rede nacional de televisão para apresentar suas explicações para as loucuras que cometeram na política cambial.
Que tentem justificar seu experimentalismo, a politização do câmbio, o jantar de comemoração pela volta dos déficits comerciais, as razões que os levaram a privilegiar o capital externo especulativo, em detrimento da segurança dos superávits comerciais.
De preferência, que as explicações sejam dadas no Maracanã, ou em local que consiga abrigar as centenas de milhares de desempregados, e de empresas quebradas por sua irresponsabilidade.

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