São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Cinema vira peregrinação no fim-de-semana

ANA BEATRIZ BRISOLA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Sair de casa com um filme na cabeça, um outro pensado para o caso de o primeiro estar lotado e acabar assistindo a um terceiro, que não estava nos planos, está se tornando um programa cada vez mais comum em São Paulo.
A idéia, aparentemente simples, de "pegar um cineminha" no final de semana pode se transformar em uma peregrinação como a descrita acima ou, para os mais fiéis à escolha inicial, em uma longa espera até a sessão seguinte.
Principalmente se a tal idéia incluir algum cinema nos arredores da avenida Paulista ou nos shoppings.
A estudante de publicidade Fabíola Rodrigues Toschi, 19, chegou ao Belas Artes (r. Consolação, 2.432) por volta das 16h do sábado passado.
Sua intenção era comprar um ingresso antecipado para a sessão das 21h30 de "Um Sonho de Liberdade" e voltar para sua casa, ali perto. Mal sabia ela o quanto demoraria para estar "livre" da espera.
Primeiro, ela descobriu que não são vendidos ingressos com tanta antecedência (eles só são oferecidos para a sessão seguinte depois de começada a anterior).
Resolveu, então, assistir a "Nell", das 16h30 às 18h45, pois lhe disseram que, depois, poderia comprar os ingressos que realmente queria. Ao sair, descobriu que os ingressos só seriam vendidos a partir das 19h30.
Viviane Montag, 49, psicóloga, chegou às 18h15 ao mesmo cinema e não conseguiu ingressos para a sessão das 19h. Ela resolveu esperar na fila até as 19h30, para poder ver a sessão das 21h30.
A seu lado estava Fabíola, que, persistente, esperou para comprar o ingresso que, em princípio, esperava ter comprado às 16h.
A poucos metros deles, na bilheteria da outra sala, o músico Marcelo Ribeiro Borroul, 30, comprava, às 19h15, ingressos para a sessão das 21h de "Farinelli, Il Castrato". Ele chegou às 18h45, em cima da hora, não conseguiu ingresso e resolveu esperar a próxima sessão.
Trauma
Nem todo mundo acha que o cinema vale tanta espera. Na mesma livraria em que Marcelo e sua mulher olhavam uns livros para passar o tempo estava a professora de ioga Maria Pacce, 40, que chegou às 19h e não conseguiu ingresso para o filme "Barcelona", às 19h30.
Desistiu, pois acha "traumático" aguardar a próxima sessão. "Prefiro aproveitar melhor meu tempo no final de semana", diz.
Não muito distante dali, no Espaço Banco Nacional de Cinema (r. Augusta, 1.475), a situação também não é muito diferente.
O reservista Ary de Camargo, 45, estava na fila, e os ingressos esgotaram bem na sua vez. Irritado, ele disse considerar isto um absurdo. "Vou tentar outro cinema e assistir a um filme que não quero", reclamou.
Venera Martins, 27, professora, saiu de casa às 19h20 para assistir "Carlota Joaquina" às 20h20, mas também não conseguiu.
Mais conformada do que Ary, comprou ingresso para a sessão das 22h10 e foi para o bar comer e beber alguma coisa. "Infelizmente é preciso sair de casa pelo menos umas duas horas antes", afirma.
Plano B
Como muitos que sabem o que vão enfrentar, Maria de Los Angeles já saiu de casa com o jornal debaixo do braço.
Ela se recusou a esperar na fila no sábado passado à noite e, depois de tentar sem êxito assistir a "Comer, Beber, Viver", no anexo 5 do Banco Nacional, resolveu "partir para o plano b: jantar fora".
O casal Cristiane Tasinato, 23, e Rodrigo Benedetti, 23, também peregrinou bastante pela região: ao ver a fila para "Prêt-à-Porter", no Center 3, concluiu que a sala era pequena demais e resolveu tentar "Carlota Joaquina", ali perto, no Banco Nacional.
Tentativa frustrada. Acabaram comprando, às 20h, ingressos para "'Comer Beber Viver", no anexo 5, sessão das 21h, e foram passear enquanto esperavam.
Logo atrás deles, também na fila, estava Paulo Moraes, menos sortudo, que queria dois ingressos para o filme, mas na bilheteria restava apenas um.
Ele foi embora, contrariado, para tentar assistir a "O Grande Assalto", no Astor. "Não é o que preferia, mas é o que resta", afirmou.
Estas e outras histórias que se passam todos os finais de semana em São Paulo mostram que o cinema está em alta.
Mas, ao mesmo tempo, desestimulam quem vai sair de casa e sabe que deve dispor de quatro horas, em média, considerando que duas são de antecedência (ou de espera) e duas de filme.
O engenheiro Leonardo Stenperg, 53, que enfrentava fila no sábado à noite no Belas Artes, acha que os cinemas poderiam, "como em muitos outros países do mundo, vender ingressos antecipados ou até mesmo por telefone".
Segundo ele, "os transtornos, que vão desde a dificuldade de parar o carro até as intermináveis esperas, acabam desestimulando o espectador de cinema".

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