São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Reeleição de Menem enfrenta crise silenciosa

JOSÉ ROBERTO CAMPOS; SÔNIA MOSSRI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

SÔNIA MOSSRI
A Argentina vai às urnas no dia 14 de maio, como dita sua tradição histórica, à beira de uma crise.
O presidente Carlos Menem tenta receber um mandato para chegar a uma década no poder com seu programa de estabilização econômico ameaçado pela fuga de capitais e uma cerrada desconfiança em seu sistema financeiro, golpeado por saques de depósitos.
Ao contrário de sua primeira eleição, em 89, Menem não terá de enfrentar uma veloz corrida de preços (a inflação então chegou a apontar para 20.000% anuais) nem uma onda de saques a supermercados e estabelecimentos comerciais.
A crise, desta vez silenciosa, agita os gabinetes refrigerados dos bancos argentinos e do governo.
Manifesta-se no conformado desespero de uma massa de desempregados, que corresponde a 12% da população economicamente ativa e tende a crescer devido à rápida desaceleração do crescimento industrial. A maioria dos Estados está quebrada e atrasa o salário de seus funcionários.
O grande cabo eleitoral do presidente Menem é o plano que leva o sobrenome de seu todo-poderoso ministro da Economia, Domingo Cavallo -um dos mais sérios e inflexíveis programas de combate à inflação da América do Sul.
Seu sucesso foi estrondoso. Nos últimos quatro anos a economia argentina deixou para trás sua crônica estagnação para disparar a 7,3% em média anual e 34,4% no período -um ritmo de "tigre asiático". A realidade da hiperinflação cedeu lugar a uma civilizada taxa de 4% ao ano, a menor dos países abaixo dos Estados Unidos.
O "plano de conversibilidade", nome oficial que expressa a essência do programa de Cavallo -a garantia de troca de um dólar por um peso- foi atingido quando o México foi à lona em dezembro.
A rápida fuga de capitais subsequente representou uma ameaça mortal para uma economia irrigada com dinheiro somente à medida que aumenta a quantidade de dólares nas reservas internacionais.
A inversão do fluxo dos dólares colocou em pane o sistema financeiro argentino. A saída de dólares levou ao enxugamento de pesos e, da noite para o dia, os bancos ficaram sem dinheiro.
Trinta e nove dos 200 estabelecimentos bancários já mudaram de mãos e se estima que não mais da metade sobreviverá.
Os banqueiros estão assustados -e calados. Eles se reuniram no último fim-de-semana com Cavallo, ouviram palavras de otimismo e saíram desconfiados. "Ninguém acredita que a situação esteja sob controle e a solução terá de vir logo", disse à Folha um participante do encontro.
O efeito visível da crise foi uma rápida retirada dos depósitos dos correntistas -externos ou internos, eles levaram US$ 7,5 bilhões, ou 15% dos depósitos- e uma desconfiança geral sobre a saúde dos bancos.
Parte do dinheiro foi "para baixo do colchão" ou repousa nas "cajas de seguridad", cofres de aluguel nos bancos, cuja demanda cresceu 30%.
Como a Argentina não sobrevive sem dólares, o ministro da Economia montou às pressas um esquema de empréstimos que vão recompor as reservas do governo quase com o mesmo punhado de dólares que fugiu do país.
Recebeu, em contrapartida, um duríssimo programa de ajuste fiscal do Fundo Monetário Nacional, que o obrigará a apresentar as contas públicas com um superávit de US$ 4,3 bilhões, excluída a receita com privatizações.
O ministro Domingo Cavallo já discute novas medidas econômicas para depois de 14 de maio. Em sua agenda estão o programa de salvamento dos bancos, novos e duros cortes de gastos e, mais tarde, possivelmente uma nova rodada de aumento de impostos.

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