São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Reservas cairão mais, prevê economista

JOSÉ ROBERTO CAMPOS; SÔNIA MOSSRI
DE BUENOS AIRES

O economista Roberto Frenkel, um dos pais do primeiro plano de estabilização heterodoxo na Argentina, o Plano Austral, durante o governo de Raul Alfonsin, em 85, acredita que as reservas internacionais do país continuarão a cair em 95, erodindo a base do sistema de paridade dólar-peso.
Seu argumento é simples. "Basta olhar o que foi acertado com o FMI", diz ele. Na melhor das hipóteses, a Argentina precisaria, segundo ele, de uma entrada de capitais de US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões para não perder mais divisas fortes.
Frenkel acha que na crise financeira a lei bancária foi descumprida. "Privatizaram o calote", ironiza. Abaixo os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha:

Folha - A Argentina caminha para a recessão?
Roberto Frenkel - Ela já está em recessão. O governo tem que ajustar o setor externo, isto é, reduzir necessariamente o déficit em conta corrente. Como os preços relativos estão mais ou menos estabilizados, só conseguirá isto se houver uma queda importante dos salários. A única possibilidade de isto acontecer é pelo mecanismo do desemprego. O único mecanismo de ajuste externo que este regime tem é a recessão.
Folha - Qual o cenário para depois das eleições?
Frenkel - Há um acordo com o FMI que foi a condição para se obter empréstimos externos do setor público para financiar o déficit do setor privado. Este financiamento externo não é suficiente para fechar as contas externas sem uma queda adicional muito importante das reservas. Virão de US$ 6,5 bilhões a US$ 7 bilhões, supondo que tudo dê certo. A hipótese firmada com o Fundo prevê queda do déficit da balança comercial de US$ 6 bilhões para US$ 1,5 bilhões, com um aumento de mais de 40% das exportações. A necessidade de financiamento da economia é US$ 13 bilhões, US$ 8 bilhões de déficit em conta corrente mais US$ 5 bilhões de dívida externa do setor público que tem que ser paga este ano, mais US$ 1 bilhão de dívida privada. então estão faltando entre US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões de entrada de capitais, só para não se ter queda adicional de reservas. Como acho que não haverá esta magnitude de entrada de capitais tem que continuar a queda de reservas ou ter uma recessão ainda mais profunda com uma queda mais violenta das importações.
Folha - O ajuste fiscal proposto por Cavallo ao FMI é factível?
Frenkel - O ajuste fiscal em si mesmo é tremendamente recessivo, terá de sair do setor privado, da demanda. Temos assinado um acordo com o Fundo que determina a política econômica. Nos primeiros três meses ele foi suave. Independentemente de quem ganhar as eleições, a política econômica está assinada. Não há grau de liberdade. Este é o problema, se as reservas continuarem caindo haverá uma crise e o regime cambial terá de ser abandonado.
Folha - O que vai acontecer com o sistema financeiro?
Frenkel - Ele está em parte quebrado, sem o reconhecimento legal. O governo está dizendo assim: se o banco não está devolvendo depósitos do público, não somos obrigados a intervir. Se o Banco Central não existe para isto, para que existe? Há uma situação de tolerância da ilegalidade.
Folha - O senhor discorda do sistema montado para salvar bancos?
Frenkel - A lei existe para ser cumprida. Se a lei não serve, que seja modificada. Há dois raciocínios. Tem gente que acha que se for cortada a parte podre do sistema, as expectativas melhoram. Outras, se caem muitos bancos o resto vai sofrer retirada de depósitos. Como ninguém está seguro, se adia a resolução do problema. Mas este é um raciocínio de economistas. Há leis, elas precisam ser cumpridas, senão o sistema financeiro vira um mercado de promessas. Ter um banco insolvente aberto recebendo depósitos é uma enganação. O poupador não tem formas de saber isto. Existe um sistema legal que supervisiona o sistema e diz se ele é solvente e quem não é solvente. Quando isto não se cumpre, se trata de uma ilegalidade. E alguém vai perder.
Folha - Pela lei de conversibilidade o governo não pode emitir dinheiro.
Frenkel - Mas estão emitindo. As reservas também incluem títulos públicos em dólar ao valor de mercado. Eles elevaram a cobertura com Bonex até o máximo legal de 20%. Há um segundo mecanismo, que é a emissão secundária, via redução do compulsório. As duas coisas fizeram com que os depósitos caíssem menos que as reservas. Se fosse a regra de um por um, os depósitos cairiam muito mais. Criou-se dinheiro no meio, porque senão mais bancos não estariam devolvendo depósitos. Chamaram isto de reprogramação. É uma privatização do calote.

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