São Paulo, sexta-feira, 5 de maio de 1995
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Os donos da vitória

JANIO DE FREITAS

Vá lá que o governo dê tinturas de vitória sua, tão necessitado está de umazinha, à aprovação da emenda constitucional sobre o gás. Mas que nós outros sejamos embarcados nessa por noticiários distorcidos, não dá.
É só observar a votação. Com exceção de dois dos seus deputados, a bancada do PT votou pela aprovação da emenda. O PDT, além da aprovação, encabeçou, na pessoa do deputado Miro Teixeira, o acordo que resultou nos 468 votos favoráveis. O PC do B contribuiu com seus votos para a aprovação. Mas o ultraprivatista Roberto Campos votou contra, entre outros ultra e privatistas que fizeram o mesmo.
O que foi aprovado é muito diferente do que o governo propôs, que era a permissão geral, e em âmbito nacional, do fornecimento de gás canalizado por empresas privadas. O que o Congresso aprovou, e o governo não teve força para derrubar, restando-lhe aderir para não ser derrotado, foi um projeto-substitutivo que preservou as estatais existentes e, mais ainda, na prática assegurou-lhes o monopólio em 16 Estados.
O governo pode se dizer vitorioso, os opositores do projeto governamental podem se sentir vitoriosos, mas quem venceu mesmo foram as distribuidoras de gás em botijão. O monopólio permanecerá nos maiores Estados, e neles está provado que as estatais são incapazes de estender significativamente o fornecimento de gás canalizado. Cada um deles é um paraíso das vendedoras de botijões. E não só pela maior proporção das áreas urbanas sem gás canalizado, condição em que São Paulo e Rio são casos escandalosos. Também pelas peculiaridades do negócio: o gás de botijão é pago antecipadamente e dois em cada três botijões não têm a quantidade paga pelo consumidor.
A ``esquerda" pode se sentir vitoriosa. Mas foi uma vitória muito esquisita -para não dizer suspeita. Pode comemorá-la com as fornecedoras de botijões, que não são menos privadas do que seriam as possíveis distribuidoras de gás canalizado.
Palavra do presidente ``Não haverá recuo do governo em relação às reformas constitucionais, nem mesmo à da Previdência Social", palavras firmes do presidente Fernando Henrique Cardoso, recolhidas pela repórter Adriana Vasconcelos, no jantar com deputados do PFL.
Doze horas depois, alertado para a recusa dos peemedebistas de mudar o substitutivo que alterava o projeto governamental contra o monopólio do gás canalizado, Fernando Henrique decidiu recuar e determinou que os parlamentares governistas votassem pela aprovação do substitutivo.
O ``nem mesmo na emenda da Previdência" significa a firmeza expressa nas seguintes marchas-à-ré autorizadas por Fernando Henrique: recuo na quebra de sigilo bancário dos devedores da Previdência, recuo na recusa ao desmembramento do projeto governamental em quatro outros, recuo na extinção da aposentadoria especial dos professores, recuo na exclusão de bombeiros e PMs das aposentadorias especiais dos militares, recuo na cobrança de contribuição das entidades beneficentes, recuo na extinção das aposentadorias especiais em geral, recuo na cobrança de contribuição dos inativos` recuo no teto de cinco salários mínimos para os aposentados, recuo na recusa de atualização progressiva das aposentadorias defasadas -e chega de mencionar recuos, que o papel está caro e os recuos estão baratos.
Ainda bem que pelo menos o título do programa radiofônico é ``Palavra do presidente".
Sim e não Vá lá que o governo comemore, para efeitos públicos, a declarada adesão do PPR. Mas, no fundo, nada muda. Porque o acerto interno do PPR, para decidir pela dita adesão, condiciona a prática do apoio à participação nas formulações dos projetos. Apoio a priori, não.
O que haverá, a partir desse tipo de adesão, é o que já acontece no Congresso: apoio na concordância e resistência na discordância.

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