São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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Judiciário é governo e deve agir como tal

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O juiz Sebastião de Oliveira Lima, ao tomar posse na presidência do Tribunal Regional Federal sediado em São Paulo, propôs-se um desafio inovador, com sua promessa de se empenhar em responder a toda e qualquer crítica injusta ao Poder que ele representa.
Discursando naquela oportunidade, mostrou, com dados estatísticos, o pesado trabalho de seus juízes. Serviu-se da média geral, pois -nos Tribunais Regionais Federais e em outras cortes- há magistrados que julgam muito e os que julgam pouco, muitas vezes sob a desculpa -nem sempre verdadeira- de aprimoramento de seus votos.
Na magistratura, como em qualquer outra profissão, há os competentes (produzem bom trabalho, em apreciável quantidade), os incompetentes (não fazem nem uma coisa nem outra, por falta de meios) e há os preguiçosos (poderiam produzir bem e muito, mas querem distância do trabalho). Há também -e em grande número- os que vêm seus ideais, de realização do justo, frustrados pela ineficiência da máquina estatal, pela intransponível avalanche de feitos, frustração agravada por uma injustiça paralela, que debita a cada magistrado a culpa pelo que há de mau na prestação estatal.
Recordo, mais, a deficiência das leis processuais, menos grave, contudo, que o anacronismo insuportável da organização judiciária, conforme anotou o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira há poucos dias, em seminário realizado na Associação dos Advogados de São Paulo.
A magistratura brasileira tem mantido silêncio, com referência às muitas críticas (justas e injustas) que recebe. Compreendo que o magistrado não se manifeste sobre questões submetidas a seu julgamento, em face da proibição legal e dos evidentes males sociais que decorreriam da discussão pública de cada ato judicial. Quebrariam o equilíbrio e a respeitabilidade das sentenças. Mas a discrição extremada omite o esclarecimento do povo, até sobre falhas provocadas sob responsabilidade de outros poderes. Chega a parecer covardia. Descumpre o dever constitucional da transparência.
O juiz Silveira Bueno, na mesma oportunidade, deu um passo no rumo oposto. Lembrou que o Senado deve suspender a execução de leis que o STF (Supremo Tribunal Federal) considera inconstitucionais. Todavia, retarda a suspensão. Permite o prosseguimento inócuo de processos, a congestionarem pautas judiciais. Dou um exemplo recente. A resolução 14/95 do Senado, publicada dia 28 de abril, suspendeu a execução de parte de um artigo da lei nº 7.787/89, cuja inconstitucionalidade lhe foi comunicada pelo STF em 23 de setembro de 1994, ou seja, oito meses antes.
Tenho muitos pontos de acordo com as idéias de Oliveira Lima e também fortes discordâncias. Exemplo marcante destas é o chamado controle externo, o qual, por permitir posições heterogêneas, cria confusões que a nação ignora. Mas a voz dos encontros e desencontros da magistratura com a sociedade e com as outras profissões jurídicas é boa. Será melhor ainda se chegar aos jurisdicionados. O debate contribui para a melhora institucional. Sem temores. Com ânimo de construir.
Obrigado à transparência, devedor do povo que o remunera, o Judiciário não absorveu bem seu papel de órgão de governo, que cria e recria a lei, em cada sentença, alterando os mecanismos sociais nos quais deve interferir com coragem. A palavra de Sebastião de Oliveira Lima mostrou coragem. É uma qualidade preciosa, válida em si mesma.

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