São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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Macunaíma no poder

OSIRIS LOPES FILHO

Uma tragédia que o povo brasileiro sofre é a de que a cada eleição se renovam as esperanças de mudança do tratamento que tem das classes dirigentes, mas no fundo a ação dos novos governantes, mudadas certas matizes e perfumarias, continua a mesma.
Não há audácia para se enfrentar os problemas difíceis e do interesse direto do povo. Repetem-se os expedientes fáceis de gestões passadas, caminho já aberto e trilhado, que assegura o caminhar sem risco. Quase tudo se reproduz em melancólica monotonia.
Vou citar dois exemplos dessa recorrência, que vai desanimando a esperança da chegada do novo.
Foi reajustado o salário mínimo, de R$ 70 para R$ 100, após ter sido tal proposta anteriormente vetada pelo presidente, depois de aprovada pelo Congresso.
Mas só foi elevado porque as alíquotas da contribuição à Previdência, incidentes sobre a folha dos salários, foram majoradas. Expediente fácil para o governo.
Só que é a velha repetição de prática viciada do passado: distribuição dos novos encargos entre os contribuintes corretos, que pagam seus tributos. Novo ônus para os contribuintes leais.
O sonegador permanece tranquilo e satisfeito, intocável na sua conduta criminosa. E com uma vantagem desmedida, pois concorre em condições favoráveis, no mercado, com contribuinte correto. É a velha toada de sempre. Quem paga o pato é o cidadão e empresas corretas, que a cada nova lei tributária têm elevada injustamente a sua carga fiscal.
A política tarifária é ziguezague. Hoje num sentido, amanhã no oposto. Quem acreditou nos compromissos assumidos pelo governo se arrebentou.
As alíquotas do Imposto de Importação, de 70%, adotadas com relação aos automóveis, eletroeletrônicos e eletrodomésticos são típicas. Em face da política de liberação das importações, o governo praticou uma política de redução de alíquotas no tempo. Chegaram a alcançar o ano 2001.
De uma hora para outra, em relação, por exemplo, aos automóveis, a alíquota do Imposto de Importação, de 20%, passou para 32% e, finalmente, foi para 70%.
Não se deu bola para o artigo 174 da Constituição, que estabelece ser o planejamento determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. O planejamento estatal vincula o governo que tem de cumpri-lo.
Coitado de quem acreditou nos compromissos assumidos pelo governo e fez investimentos em função do prometido em decreto publicado no ``Diário Oficial". Ignora-se a Constituição, campeia a insegurança jurídica.
A influência, pelo visto, não é da Constituição, mas de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, criado por Mário de Andrade.
A alíquota de 70% para os eletroeletrônicos e eletrodomésticos vai tornar proibitiva a importação destes produtos. Importação legal, com pagamento de tributos.
A ilegal, via contrabando, vai prosperar. Foi estimulada pelo governo. Após anos de demanda reprimida, houve no final de 94 a liberação das importações. Como era de se esperar, a população tomou gosto pelos importados. Formou-se um novo mercado, não mais marginal, mas global.
Agora veio o arrocho. É claro que vai ocorrer o sucesso dos negócios do contrabando. A estrutura da Polícia Federal do país é frágil para reprimi-lo, há mercado aquecido para tais produtos, existem facilidades geográficas (o litoral extenso e o Paraguai estão aí mesmo), o excesso de protecionismo torna rentável a margem de lucro dos contrabandistas e ocorre a impotência de administração aduaneira, em face da carência de pessoal e instrumentos de trabalho.
Vê-se que o governo adota a postura de avestruz. Diante da emergência, enfia a cabeça no buraco, ignorando a realidade. Ou começa a dar tiros a esmo, que muitas vezes saem pela culatra. Coisas de Macunaíma.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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