São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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Primeiro e terceiro mundo discutem a eficácia da vacina contra malária

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um dos mais conhecidos cientistas médicos da atualidade em todo o mundo, e particularmente na América do Sul e na África, é o colombiano Manuel Elkin Patarroyo, que desenvolveu a primeira vacina sintética eficaz contra a malária testada em ensaios de campo.
É verdade que a eficácia fica na chamada zona cinzenta, em que as opiniões podem ser favoráveis ou contrárias, conforme o critério do avaliador.
Até agora a vacina foi submetida a dez ensaios clínicos abrangendo 30 mil voluntários. Os dois testes mais significativos foram realizados na Colômbia, pelo próprio Patarroyo, e na Tanzânia (África), por outros pesquisadores.
No primeiro deles (1990-91), ocorreu por supressão dos acessos em 39% dos casos e 24% dos episódios iniciais.
No segundo, anunciado em outubro de 94 na revista ``The Lancet", o corte na incidência de episódios iniciais foi de 31%.
Alguns críticos acham que esses números, obtidos em ensaios bem controlados, podem ser reduzidos de metade nas condições rotineiras de aplicação, nas quais vários dos voluntários podem deixar de tomar uma das três doses da vacina.
Outros especialistas, como Tore Godal, entendem que os testes colombiano e tanzaniano são, pelo menos, consistentes, pois foram realizados em condições diferentes e com amostras de parasitas também diversas.
Argumento muito usado pelos que combatem a alegação de ser pequena a eficácia de 30 e poucos por cento, é que se trata de doença que provoca 300 milhões de casos clínicos por ano.
Trinta e poucos por cento desse número correspondem a 100 milhões de episódios, ao passo que a pólio causa 100 mil casos por ano.
O agente da malária (protozoário do gênero plasmódio) passa por diversas fases no paciente e no transmissor (mosquito).
Os pesquisadores que se dedicam à produção de vacinas antimaláricas em geral trabalham com as formas do parasita que se acham na tromba do mosquito, prontas para infectar a pessoa por ele picada.
Patarroyo prefere partir de formas mais avançadas do plasmódio, quando este se acha pronto para penetrar o glóbulo vermelho e nele dividir-se, arrebentando-o depois e espalhando-se.
Para fabricar sua vacina Patarroyo escolheu 22 proteínas do plasmódio e injetou esses antígenos em macacos. Encontrou quatro que deram alguma proteção contra a malária.
Depois de analisá-los, reconstruiu quimicamente dezenas de fragmentos (peptídeos) deles.
Testou finalmente esses peptídeos, isolados ou combinadamente, e assim chegou a uma combinação (SPf66) que se revelou eficaz como vacina.
Essa combinação encerra três peptídeos. Em 1987, ele anunciou essa descoberta.
A reação dos cientistas do hemisfério Norte foi em geral de ceticismo, em face do número relativamente pequeno de voluntários e da baixa margem de eficácia, além de defeitos que apontaram na metodologia da preparação.
Há quem veja nessa reação uma espécie de repulsa generalizada nos países desenvolvidos pela produção científica dos menos desenvolvidos.
Mas a reação do público e dos governos de outros países, especialmente da América do Sul e da África, tem sido muito favorável à vacinação em massa.
Tem sido cobrada, com forte pressão política, da Organização Mundial de Saúde, que se encontra num dilema, embora oficialmente declare ser cedo para esse empreendimento, que reclamaria maiores pesquisas.
Enquanto se desenvolve esse debate, Patarroyo em seu laboratório em Bogotá continua suas pesquisas, visando a produção de uma segunda versão de sua vacina. Seu alvo agora é bloquear a entrada do plasmódio nos glóbulos vermelhos.

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