São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O zoológico médico brasileiro

VANESSA DE SÁ
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um grupo de pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (PA) identificou 64 espécies de animais usadas popularmente por comunidades caboclas em tratamento de moléstias que vão do câncer à catarata.
Os resultados do trabalho, que começou em novembro de 1994, foram apresentados no 10º Encontro de Zoologia do Nordeste, há dois meses.
"A utilização de plantas pela medicina popular é largamente difundida e estudada. Resolvemos resgatar essa outra cultura, a do uso da fauna, disse Graça Overal, 42, idealizadora do projeto.
O trabalho envolveu habitantes de cinco municípios, na maioria pescadores ou agricultores da região do Salgado, como é conhecida uma faixa litorânea paraense que não inclui a ilha de Marajó (veja mapa).
"Vimos pessoas que nunca tiveram acesso à medicina tradicional, disse Overal.
Segundo os pesquisadores, a asma e o reumatismo são as que apresentam maior número de variantes de tratamento.
Para o reumatismo -usa-se a gordura- foram listadas mais de 14 espécies; para asma, mais de 30 espécies diferentes.
O diagnóstico popular baseia-se nos sintomas clínicos. Os pesquisadores observaram, por exemplo, que alguns nomes ou sintomas de doenças se assemelham aos descritos na literatura médica. Isso sem que a população tenha tido acesso a médicos.
Eles citam "morra (hemorróidas), "lândrias (amígdalas), "puxamento (bronquite ou asma) e "neve (catarata).
Baseia-se em informantes que indicam quem, naquela comunidade, tem o domínio das "receitas: normalmente mulheres com idade média de 55 anos.
Garimpo
A recuperação da medicina popular assemelha-se a garimpagem, ou bioprospecção, como a chama José Geraldo Marques, da Universidade Federal de Alagoas.
Há mais de dez anos o biólogo reúne informações de diferentes partes do país. O resultado é um banco de dados com mais de 300 espécies de animais, listadas em 15 Estados brasileiros.
Seu laboratório é um dos pioneiros em etnoecologia no país, ramo da ciência que busca vincular biologia à cultura popular.
"Boa parte do trabalho baseia-se nas tradições orais, uma prática comum no Brasil que o difere de outros países como a China, onde essas práticas são colocadas no papel, disse Marques.
Para o pesquisador, haveria uma espécie de "universalidade exoterápica", ou seja, todas as práticas culturais incluiriam o uso de animais como "matéria-prima" para a confecção de remédios.
No Brasil, o cavalo-marinho, usado para "curar' cansaço, poderia, segundo Marques, ser um animal-modelo: sua utilização é relatada em sete Estados.
Para Marques é fundamental que outros pesquisadores passem a investigar esses animais, já que alguns princípios ativos (substâncias que efetivamente agem sobre a doença) podem estar "escondidos" em muitos deles.
"A magainina, um antibiótico, foi extraído pela empresa norte-americana Magainin Pharmaceutics da pele de um sapo", disse.

Texto Anterior: Por que sentimos cócegas?
Próximo Texto: Magia foi base da medicina
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.