São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995 |
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Após 50 anos, fantasmas da 2ª Guerra voltam à Europa
CLÓVIS ROSSI
Glenn Miller morreu faz exatamente 50 anos e foram suas canções, românticas e ingênuas para os padrões de hoje, que embalaram os terríveis anos da Segunda Guerra Mundial, também encerrada, pelo menos na Europa, 50 anos atrás. Mas não é apenas o som de Glenn Miller que está de volta. Os fantasmas da guerra assombram a velha Europa. O mais significativo deles é a expansão da extrema direita, herdeira do nazifascismo, em alguns países-chave da Europa. Não é exagero dizer que a extrema direita vive seu melhor momento desde que a guerra acabou. Na França, o ultradireitista Jean-Marie Le Pen alcançou há duas semanas a sua melhor votação de todos os tempos, no primeiro turno do pleito presidencial, com 15% dos votos, apenas oito pontos atrás do primeiro colocado, o socialista Lionel Jospin. Na Itália, a extrema direita, que se auto-intitula pós-fascista, chegou até a participar do governo, após a ascensão do magnata Silvio Berlusconi ao posto de premiê, ao qual renunciou em dezembro. Na Áustria, Jerg Haider e seu Partido da Liberdade já chegaram ao terceiro lugar entre os partidos locais e continuam em ascensão. Ele, aliás, foi um dos agentes a movimentar os fantasmas nestas semanas -recusou-se a participar da festa pela libertação austríaca, dia 27 passado, considerando-a um mero convescote de ``anarquistas" e ``velhos comunistas". Mais: exigiu que o fundo que o governo austríaco quer criar para as vítimas da guerra não seja destinado apenas aos judeus e, sim, estendido aos austríacos pobres. É uma maneira quase direta de dizer que a Áustria foi também vítima de Hitler, aliás nascido naquele país, e não cúmplice. Não é uma tese pacífica na própria Áustria, ainda que, em 1943, os três grandes da época (EUA, Reino Unido e União Soviética) a tenham sacramentado, na ânsia de persuadir os austríacos a abandonar a causa de uma Alemanha que já retrocedia em várias frentes. Mas a Ópera Estatal austríaca promoveu, no mesmo dia 27, um concerto especial para apresentar temas de autores que foram banidos entre 1938 (o ano da anexação por Hitler) e 1945. A maioria só tinha um pecado: eram judeus, como Mendelsohn ou Offenbach. Também na Alemanha renasceu a polêmica sobre o sentido do 8 de Maio, o dia em que foi ratificada a capitulação incondicional do país. Pior: um ministro, Carl-Dieter Spranger, da Cooperação Econômica, assinou manifesto da extrema direita que questiona a teoria segundo a qual o 8 de Maio significa a libertação da Alemanha. Para a extrema direita, a data marca a humilhação e, acima de tudo, a divisão do país entre sua fatia ocidental (tripartida entre EUA, França e Inglaterra) e a parte oriental, dominada pela URSS. O próprio chanceler (chefe de governo) Helmut Kohl, adepto inquestionável da tese do 8 de Maio como dia de libertação, admitiu: ``Para milhões de alemães foi um amarga derrota e humilhação". Como se uma mão invisível tivesse tecido os fios da história para aguçar ainda mais os fantasmas, a Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia (Holanda), inicia o julgamento de Dusan Tadic. Trata-se de um sérvio, acusado de crimes contra a humanidade (assassinatos e violações) cometidos na campanha de ``limpeza étnica" promovida pelos sérvios na Bósnia de maioria muçulmana. É o primeiro tribunal de guerra desde que, em Nurembergue (Alemanha) e Tóquio (Japão), foram julgados os derrotados de 1945. O termo ``limpeza étnica" é apenas menos tenebroso, na aparência, mas diz o mesmo que a ``solução final", retórica com que Hitler matou 6 milhões de judeus. Só faltava mesmo tocar Glenn Miller para se perceber que a guerra, 50 anos depois, não acabou. Apenas mudou de feição, mas o sangue, como os fantasmas, assombra a civilizada Europa. Texto Anterior: Para críticos, vinho cheira mal Próximo Texto: Embargo não impede circulação de armamentos na ex-Iugoslávia Índice |
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