São Paulo, segunda-feira, 8 de maio de 1995 |
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Censura de novelas sugere onda moralista
ESTHER HAMBURGER
Depois de censurar cena de menino de rua cheirando cola em ``A Próxima Vítima", o órgão judiciário puniu na última semana a emissora por ter transmitido, sem autorização, cena de nudismo presenciada por ator menor de idade. Sintomaticamente, menos de 10 anos depois do batalhado fim da censura federal, a sequência de incidentes não causou celeumas. O judiciário carioca lançou mão de sua prerrogativa de zelar pelo cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, valioso instrumento legal destinado a proteger o menor de idade, nesse caso o ator, menor-trabalhador. Mas, ao fazê-lo, mexe em um vespeiro. É inevitável a sensação de que há no ar também uma preocupação em resguardar o menor-telespectador. No caso do ator que representa o menino de favela, o cuidado parece excessivo. Não é possível que a simples representação de algo socialmente condenado -como cheirar cola- possa lesar a imagem do ator. Ou teríamos que prescindir de personagens marginais de menos de 18 anos. Além do mais, cenas impressionantes de meninos consumindo crack puderam ser exibidas pelo ``Globo Repórter" reprisado na mesma semana em que a novela foi censurada. Mas cenas semelhantes estão disponíveis ao vivo nas inúmeras Praças da Sé das cidades grandes. A exibição na novela choca simplesmente porque as retira do contexto da rua pobre, trazendo-as para a sala de jantar da família de classe média. Seria muito mais produtivo gastar energia sugerindo formas inovadoras de representação da marginalidade e violência urbana, capazes de romper o círculo vicioso do sensacionalismo convencional, perversamente realimentado de maneira ininterrupta pela mídia. A mesma linha de raciocínio se aplica à cena de sexo em ``Malhação", espécie de ``soap opera" que vai ao ar diariamente as 17h15 e que é responsável pela elevação da audiência da emissora de 17% para cerca de 30%. Ausência total de censura não existe. Patrocinadores, controles de audiência, hierarquias das emissoras, pressões como a do Juizado de Menores carioca são apenas alguns exemplos de mecanismos que constrangem a programação televisiva. Em busca de se adequar às espectativas de seu público, algumas emissoras como a MTV mudam o horário de exibição de clips e programas que possam ser considerados ofensivos. A Globo prudentemente entrou em acordo com o Juizado de Menores. Essas atitudes são tomadas entre quatro paredes. Faltam ofensivas na criação de representações capazes de romper a maneira fácil e convencional com que sexo e drogas são usualmente tratados pela sociedade. Sem esse esforço não é difícil prever uma possível onda conservadora e moralista a favor do recrudescimento da censura. É bom lembrar a truculência do passado, quando novelas inteiras como ``Roque Santeiro" ou ``Despedida de Casado`` foram impedidas de ir ao ar. Texto Anterior: Allende termina livro sobre filha morta aos 28 Próximo Texto: Daryl é a mulher imaginária Índice |
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