São Paulo, terça-feira, 9 de maio de 1995
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'Progressistas' se aproximam de carismáticos

FERNANDO MOLICA
DA SUCURSAL DO RIO

Moradores da periferia do Rio, a aposentada Rosa Domingos Conceição, o protético Wandick Leitão e os padres Marcus Barbosa Guimarães, René Stormacq e Vitalino Piaia protagonizam uma nova versão do desafio da Igreja Católica de unir o louvor a Deus com as lutas da Terra.
Os dois primeiros lideram grupos de católicos carismáticos; os padres são ``progressistas", entusiastas da Teologia da Libertação.
Nos últimos 20 anos, as duas correntes ficaram em lados opostos do altar. Agora, convivem sob os tetos das mesmas igrejas da Baixada Fluminense.
Os carismáticos privilegiam as orações, as graças e dons divinos. Os ``progressistas", as propostas de mudanças políticas e sociais.
As reuniões de carismáticos lembram cultos de igrejas evangélicas (protestantes) pentecostais como a Assembléia de Deus ou a Universal do Reino de Deus -os fiéis rezam em voz alta, dançam, clamam por curas e, eventualmente, praticam o exorcismo.
Vizinhos em uma das regiões mais pobres e violentas do Estado, os grupos exercitam agora uma convivência mais pacífica.
Rosa e Wandick participam de atividades estimuladas pelos ``progressistas": ela já apoiou movimentos de ocupações de terras, ele liderou parte de ato comemorativo do Dia do Trabalho.
Os padres abriram suas igrejas aos grupos carismáticos e um deles, Piaia, passou a celebrar uma ``missa da Cura", inspirada em cultos evangélicos pentecostais. A celebração dura até três horas, o triplo de uma missa normal.
``As posturas não são excludentes", diz Piaia, pároco da igreja Nossa Senhora Aparecida, em Nilópolis, a cerca de 40 km do centro do Rio. Em fevereiro passado, ele foi designado pela diocese de Nova Iguaçu para coordenar o trabalho com os carismáticos.
Marcus Guimarães, da igreja de Santa Rita, em Nova Iguaçu (a 35 km do centro do Rio), destaca a prática de acolhimento dos grupos carismáticos em contraste com o tratamento frio recebido pelos fiéis na maioria das igrejas católicas.
A convivência, no entanto, não afastou as reservas. ``Existe a tentação, entre eles, de se colocar os problemas sociais nas mãos de Deus", declara Piaia. ``De vez em quando temos que colocá-los nos trilhos", afirma Stomarcq, da igreja de São Sebastião, também em Nova Iguaçu.
A convivência entre ``progressistas" e carismáticos não ocorre só no Rio. O padre e teólogo Márcio dos Anjos, de São Paulo, afirma que cânticos carismáticos têm sido adotados em comunidades da periferia da capital do Estado.
Virgílio Bezerra de Almeida, padre em João Pessoa (PB), diz que carismáticos de sua paróquia participaram da ocupação de um conjunto residencial na cidade.
Fundador do PT em seu Estado, Almeida diz que adotou cânticos carismáticos em sua igreja.
Em 94, o Datafolha detectou que, dos eleitores brasileiros, 3,8% eram carismáticos. Base de um trabalho dos sociólogos Reginaldo Prandi e Antônio Pierucci, a pesquisa mostrou que os carismáticos rejeitavam mais que os outros católicos a candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
(FM)

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