São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 1995 |
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Delinquentes versus delinquentes
GILBERTO DIMENSTEIN BRASÍLIA - A polícia entrou atirando ontem numa favela do Rio e matou uma criança de dez anos. Não foi por acaso -é apenas uma consequência lógica e previsível da política de extermínio estimulada pelas autoridades, com apoio de amplos setores da opinião pública.As cenas reveladas ontem pela imprensa fazem lembrar Ruanda, cenário de massacres na África. ``Eles gritavam que queriam se render e entregar as armas", disse o dono da casa onde a polícia matou dez pessoas na favela Nova Brasília. Esse episódio aconteceu no mesmo dia em que o ministro do Exército, Zenildo Lucena, elogiou a polícia do Rio por se mostrar ``cada vez mais atuante e eficiente". O cardeal-arcebispo Eugênio Sales manifestava-se ``otimisma". Compreendo a angústia do cidadão honesto, trabalhador, pagador de impostos, que se sente ameaçado, vigiado, muitos deles presos em seus próprios apartamentos. Milhões já têm marcas de guerra e convivem diariamente com o trauma. A angústia produz raiva -e a raiva, a vontade de eliminar os focos de medo. Nesse ambiente prospera o estímulo à matança. O problema é que o extermínio, além de cruel com inocentes, apenas nivela policial e bandidos: ambos tornam-se delinquentes. Vamos ao óbvio: um bandido e um policial são iguais porque usam a violência, digamos, como instrumento de trabalho. São diferentes, entretanto, porque a sociedade determina a um dos grupos cumprir a lei. Do contrário, os dois viram simplesmente bandos organizados. Há aqui dois problemas. Primeiro, a crueldade com inocentes ou mesmo culpados. Segundo, a eficácia: a matança apenas torna os marginais mais violentos. Há alternativas -e nenhuma delas se confunde com moleza aos delinquentes. Os policiais treinados em países desenvolvidos aprenderam que a morte do marginal é o último recurso durante um confronto. Aprendem a atirar com o objetivo apenas de ferir. Aqui, está virando motivo de eficiência. A violência parece enlouquecer muita gente que, neste momento, deveria estar mais sóbria do que nunca. Texto Anterior: O público e a greve Próximo Texto: Louvor aos Gordons Índice |
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