São Paulo, sábado, 13 de maio de 1995
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Reconhecer sim, indenizar não

JARBAS PASSARINHO

A luta armada entre 1967 a 73 é descrita, pelos próprios autores dos fatos narrados, em um livro premiado em Cuba, narrações que o editor define como ``ações heróicas" contra o regime autoritário brasileiro.
Entre essas, figuram o assassínio do capitão norte-americano Chandler, na frente de sua mulher e do filho menino, friamente; o ataque a uma unidade de saúde do Exército, para furto de fuzis, no qual teria sido assassinado, estripado, um soldado de sentinela (o que não é confessado no livro); o carro-bomba que matou um soldado do quartel general do 2º Exército e feriu gravemente outros; bomba contra o consulado norte-americano; assaltos a bancos; assassínio do tenente Mendes, da PM paulista no cerco a Lamarca, dito como fuzilado, mas na verdade por sucessivos golpes de coronha; e os sequestros de embaixadores estrangeiros, que seriam mortos se descoberto e invadido o local do sequestro.
As narrações, com ênfase triunfalista, ignoraram o trucidamento do empresário Boilensen, o assassinato do militar alemão, aluno da Escola de Estado-Maior do Exército, ``por engano"; a morte de seguranças dos diplomatas sequestrados e de vigilantes de bancos e até de transeuntes.
Do lado da contra-insurreição houve, também, brutais violências contra os direitos humanos. Por isso essa guerra foi denominada ``suja", porque desrespeitou a convenção de Genebra.
A tortura e o terrorismo são páginas negras da ``guerra suja". Ainda que praticada pelos norte-americanos, no Vietnã, pelos franceses, na Argélia, pelos alemães da Gestapo, pelos soviéticos da KGB, pela polícia civil do dr. Getúlio Vargas, não tem desculpa, fruto da distorção profissional.
Falso, porém, é esse maniqueísmo de encarnar guerrilheiros e terroristas como o bem, na luta contra o mal consubstanciado nos que os combateram.
A divulgação da lista dos desaparecidos é um imperativo moral, depois da anistia. Doeu-me, ministro da Justiça, ouvir de uma sofrida senhora, em audiência que concedi a parentes de desaparecidos, que perdera três filhos e só me pedia o ``direito cristão" de lhe dar sepultura. Determinei a abertura dos arquivos do Dops da Polícia Federal.
É preciso ir mais longe. Há a considerar a probabilidade de haver desaparecidos, que foram ``justiçados" pelos próprios companheiros, que os consideraram traidores da causa comunista.
Quanto a indenizações, quem indenizou as famílias dos mortos em defesa do governo? Dos policiais abatidos nos sequestros de diplomatas estrangeiros? Dos vigilantes dos bancos? A promoção de soldado a cabo, de tenente a capitão confunde-se com indenização? Qual a dívida a ser paga pelo Estado por haver se defendido da agressão armada dos que buscavam conquistar o poder?

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