São Paulo, sábado, 13 de maio de 1995
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O último tango

CLÓVIS ROSSI

BUENOS AIRES - Pela primeira vez na história recente e não tão recente, os argentinos votam amanhã com os olhos postos no futuro e não no passado.
A Argentina carrega uma carga formidável de nostalgia, de resto plenamente justificada. Na virada do século, era a sexta colocada no mundo em matéria de renda ``per capita". Hoje, é apenas o 46º país no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, o melhor índice disponível, dado que mescla os números econômicos habituais a alguns indicadores da saúde social.
A decadência econômica é irmã siamesa da instabilidade política. No último meio século, a Argentina teve 23 presidentes, 15 dos quais eram militares. Duraram, na média, apenas 2,3 anos cada. Não há economia (nem sociedade) que resista.
Por isso, se fosse possível resumir numa frase o estado d'alma de uma sociedade, a dos argentinos seria a que eles repetem com frequência: ``Todo tiempo pasado fue mejor".
Mas o ``tiempo pasado" foi tanto que inclui agora não apenas as boas lembranças, mas também duas hiperinflações e os 30 mil desaparecidos na mais recente das muitas ditaduras (a do período 76/83), filhos bastardos e perversos da desordem institucional.
Não dá, portanto, para votar na expectativa de voltar aos anos dourados. A escolha de amanhã, na Argentina, não é entre um remoto passado de glórias e um presente incerto, mas entre o passado recentíssimo de estabilidade econômica e o seu custo.
Se conseguir mesmo a reeleição, o presidente Carlos Menem a deverá ao fato de ter reduzido a inflação dos 4.924% de 1989, quando assumiu, aos 3,9% de 94.
``A estabilidade se transformou em categoria metafísica", escreve o filósofo Léon Rozichner.
Se Menem perder ou sofrer o castigo inesperado de um segundo turno, a culpa será fundamentalmente dos 12,2% de desempregados na força de trabalho, um recorde. Nessa hipótese, os argentinos terão apostado que é possível ao mesmo tempo manter a sagrada estabilidade e ao menos reduzir o seu custo. A conferir amanhã.

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