São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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De volta ao consultório

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Vivemos num país ciclotímico. Um país com uma atroz dificuldade em encontrar as medidas da realidade. O brasileiro está sempre ``ótimo" ou beirando o abismo. Como diz um amigo baiano, aqui é tudo zero ou mil.
O recente caso de Itamar Franco, por exemplo. Começou como um bobo de topete e acabou como um ``estadista" penteado. Não é nem um nem outro.
Agora, o governo de Fernando Henrique Cardoso. Iniciou seu ``processo" há apenas quatro meses e meio. Nesse curto período, o presidente, o Plano Real e as perspectivas para o futuro já desceram ao quinto dos infernos, passaram pelo purgatório e frequentaram o paraíso -não necessariamente nesta ordem.
Há dois meses, o Brasil estava perdido. A Argentina entraria em falência em questão de semanas -dias, diziam alguns- e depois seria a vez do real naufragar. O câmbio não resistiria, os capitais desapareceriam, o presidente já estava perdido, as reformas seriam barradas, a inflação dispararia e o ``mercado"... bem, nervosíssimo, coitado, na cama, perto do colapso.
Mas depois das viagens ao exterior, o presidente ``melhorou". O mercado anda mais calminho e os capitais já estão pensando novamente em passear pelos trópicos.
Quer dizer que podemos, então, começar a pensar em viver um pouco mais tranquilos?
Nã-nã-nã-não.
Passei pelo consultório de meu economista e... Prepare-se! As últimas notícias não são muito animadoras.
Encontrei o homem suando frio, metido em seu jaleco, cercado por números, pontos percentuais, médias aritméticas, logarítmos, taxas, curvas e retas.
Olhei o caos e, com pena do especialista, tentando quebrar o clima, resolvi contar uma velha piada de economista:
``- O senhor conhece aquela história do economista com 1,90 m de altura que morreu afogado num lago com profundidade média de 1,50 m?", tentei.
Não emplacou. O mau humor seguiu vitorioso. O homem parecia estar tendo visões macabras, apocalípticas.
- ``O negócio vai estourar", segredou-me entre os dentes.
- ``Que negócio?", perguntei sem graça.
- ``A dívida", respondeu.
- ``Mas a dívida externa já não está equacionada?", indaguei.
- ``A externa, sim. Mas a interna vai estourar. E o Estado de São Paulo também vai entrar pelo cano. Vai entrar pe-lo ca-no".
- ``Meu Deus. Pe-lo ca-no? Jura?"
- ``Sem dúvida".
- ``Culpa dos juros?", ousei perguntar, talvez milagrosamente iluminado pelo espírito do senhor Keynes.
- ``Bingo! Culpa dos juros. Não vai dar para aguentar desse jeito".
- ``Bem, mas quanto tempo ainda temos?", perguntei, pensando, ao menos, numa saída individualista.
- ``Seis meses de tranquilidade. Seis meses e... bum! Vai tudo pelos ares!"
Abalado com previsões tão precisas, deixei o consultório pensativo. Mas, tudo bem. Pelo que me disse o doutor, temos ainda ``seis meses de tranquilidade". Tempo suficiente para resolver tudo.
Foi então que comecei a me preocupar. E a perceber que estamos mesmo à beira do abismo. Com o revólver na cabeça. Ou já se soube alguma vez, nesse país, da existência de seis meses de tranquilidade?

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