São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Novo presidente do Supremo diz que faltam juiz e dinheiro

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O mineiro José Paulo Sepúlveda Pertence, 57, nascido em Sabará, assume na próxima quarta a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal).
Ex-procurador-geral da República, nomeado pelo presidente José Sarney para o STF em 1989, ele foi cassado pelo AI-5 (Ato Institucional nº 5) em 1969.
O ministro rebate o ataque de parlamentares que já chegaram, contou, a atribuir a morosidade da Justiça à ``vagabundagem dos juízes". ``É uma leviandade e superficialidade absurda", reagiu. ``As causas são muito mais profundas. Não há juízes e não há dinheiro".
Pertence cobra dos congressistas a regulamentação do artigo 98 da Constituição, que cria os juizados especiais. Isso poderia, na sua opinião, acabar com o congestionamento de milhares de processos em tramitação na Justiça. ``Isso é da maior urgência."
Em entrevista à Folha, diz que vai marcar a sua gestão à frente do Supremo com muitos debates. ``Cabe a mim voltar aos tempos de agitador", afirma sorrindo, numa referência direta aos tempos em que era vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), entre 1959 e 1960.

Folha - Qual é o seu grande desafio à frente do STF nos próximos dois anos?
Sepúlveda Pertence - Tenho a pretensão de fazer algumas reformas. Cabe a mim voltar aos tempos de agitador (risos). Quero chamar a sociedade e os políticos não para debater slogans ou trocar ofensas, mas para discutir as causas e as possibilidades reais de resolver os problemas do Judiciário. Não há juízes, não há dinheiro, mas é preciso pensar objetivamente a realidade. Eu pretendo agitar.
Folha - O Judiciário tem sido criticado por parlamentares e parte da opinião pública. Criticam principalmente a lentidão da Justiça.
Pertence - Esses ataques que propalam a vagabundagem dos juízes são de uma leviandade e superficialidade absurda. A morosidade, que é o defeito mais sentido por quem tem ou teve contato com a Justiça, não é um problema exclusivamente brasileiro. O esquema tradicional do processo judiciário é um mal quase inevitável. Os processos dependem da produção de provas. Mas é claro que no Brasil isso tem se agravado.
Folha - Faltam juízes, mas nos concursos para as vagas existentes um número mínimo é aprovado...
Pertence - Seria errado pensar que a única solução seja a multiplicação de juízes. O número de vagas na magistratura brasileira não tem sido preenchido. Há um déficit crônico de cerca de 25%. Durante algum tempo, se falou que isso era consequência da baixa remuneração, mas não creio que isso seja verdade. O que existe na verdade é uma resultante cruel do desmantelamento da educação brasileira nas últimas décadas.
Folha - E não há saída?
Pertence - O processo jurídico tradicional é lento, quase que inevitavelmente lento. E caro. Então, precisamos subtrair dessa máquina tradicional do Judiciário essas peculiaridades. Temos por exemplo as experiências dos juizados de pequenas causas, que são excelentes. A Constituição, na mesma linha, acena com outra figura de maior aprofundamento. São os juizados especiais, que envolvem jurisdição criminal -a Constituição chama de crimes com pequeno potencial ofensivo- e causas cíveis.
Acontece que o Congresso até agora não conseguiu votar isso, embora existam ótimos projetos. Eu acho isso da maior urgência.
Folha - Por que a Justiça mantem o ritual de julgar de ações iguais como se nunca houvesse uma decisão sobre o mesmo assunto?
Pertence - Existe sim uma multiplicação ociosa de causas jurídicas, principalmente na Justiça Federal. Temos a cada ano a lei tributária que será questionada, a lei previdenciária... Isso vai gerar centenas de milhares de processos. Insiste-se em tratar cada processo desses como se fosse um processo singular, daqueles que não se pode transpor a decisão de um para outro.
Folha - O sr. é a favor do chamado efeito vinculante, isto é, a obrigação de os tribunais de primeira instância seguirem as decisões do Supremo?
Pertence - Seja o efeito vinculante ou outra fórmula similar, é preciso enfrentar isso com coragem. É romântico pensar que isso seja autoritário ou vá afetar a independência do juiz.
Folha - O sr. defende uma discussão disso agora, durante os trabalhos da reforma constitucional?
Pertence - - Sim. Isso tudo poderia entrar na reforma constitucional.
Folha - O controle externo do Judiciário é necessário?
Pertence - - Estou convencido da necessidade de um órgão central não só de administração, mas de reflexão permanente, de formulação. Mas eu penso que não deve ser mais um órgão burocrático que terá representantes indicados por setores da sociedade ou das classes políticas, buscando uma forma de aposentadoria após três ou quatro anos de serviço. Nesse órgão deveriam sentar-se pessoas que não componham só a magistratura.
Mas não posso deixar de verificar uma coisa. Essa história de controle externo só vem à tona, não a propósito de uma reflexão séria sobre os problemas do Judiciário, mas sempre depois de uma decisão polêmica dos tribunais, particularmente do Supremo. O que dá para desconfiar.
Apesar da desculpa óbvia de que não se pretende controlar as decisões do Judiciário, no dia em que houvesse um órgão controlador externo, seria sobre ele que recairiam as críticas que hoje se fazem à Justiça.
No ano passado, por exemplo, o Supremo foi chamado de demagógico e populista por um político conservador (Pertence não quis citar o nome). Poucos meses depois, um político de esquerda protestou contra uma decisão chamando-a de reacionária e antipopular.
Curiosamente, os dois concluíam que era necessário o controle externo do Judiciário. Volto a insistir: dá para desconfiar dessa intenção.
Folha - Ano passado o senhor afirmou à Folha que temia que o STF ficasse inviabilizado, em 1995, por causa do congestionamento de processos. Isso mudou?
Pertence - Não. Do início deste ano até o mês de abril, o Supremo julgou 10.365 processos. No mesmo período, sozinho, julguei 1.264 casos.

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