São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Presença da guerra na Carta Magna é uma contradição

WALTER CENEVIVA

Da equipe de articulistas O Brasil é país notoriamente pacífico. Não tem problema de fronteiras. Convive com os vizinhos em proximidade fraterna (salvo quando se trata de problemas futebolísticos), tentando realizar objetivos comuns, em particular os do Mercosul. Nesta semana, em que o noticiário cuidou do fim do segundo grande conflito mundial deste século e também do fim da guerra do Vietnã me veio a idéia de verificar que tratamento a Constituição dá à guerra.
Parece estranho que a Carta Magna de um país pacífico trate da guerra, mas na nossa fiquei surpreso de localizar as palavras conflito (uma vez) e guerra (uma dúzia de vezes). Apesar das numerosas referências, o Brasil tende para a não-violência, como se vê até no descabimento da pena de morte, salvo na guerra (artigo 5º, inciso 47, letra a) e na exclusiva competência da União para declarar a guerra e celebrar a paz (artigo 21). Competência também privativa para ordenar requisições civis e militares, em iminente perigo e tempo de guerra (artigo 22, inciso 3º).
Ao nível do oficialato, os servidores públicos militares (Forças Armadas, polícias militares, com seus corpos de bombeiros) só perdem posto e patente se considerados indignos dessa posição, julgados por tribuna especial, em tempo de guerra (artigo 42, parágrafo 7º).
Não quero cansar o leitor com referências numerosas, mas é do Congresso Nacional a exclusiva competência para autorizar o presidente da República a declarar guerra e celebrar a paz (artigos 49, inciso 2º e 84, inciso 19), ouvido o Conselho de Defesa Nacional (artigo 91, parágrafo 1º, inciso 1º). A guerra é assunto tão sério que até no curso dela a incorporação de deputados e senadores às Forças Armadas depende de autorização da respectiva Casa do Congresso.
Confesso que, embora leia a Constituição diariamente, não havia reparado em tantas menções dos conflitos armados (em que o Brasil certamente não se meterá). Agora se sabe que os Estados Unidos fizeram forte pressão sobre o Brasil para embarcar na aventura do Vietnã. Felizmente -honra ao marechal Castelo Branco-, recusamo-nos a participar da hecatombe. A história terminou por revelar aspectos ocultos do conflito absurdo, a mostrarem o acerto da recusa.
Duas das quatro referências restantes dizem respeito ao estado de sítio, decorrente da declaração de guerra ou da resposta a agressão armada estrangeira (artigo 137). A duração normal do estado de sítio é de 30 dias, mas passa a tempo indeterminado durante o conflito armado (artigo 138).
As outras duas se relacionam com o direito tributário. Sim, com o direito tributário, pois a União pode instituir empréstimos compulsórios para tender despesas com a guerra externa e até para a iminência do conflito (artigo 149). A décima-segunda vez em que encontrei ``guerra" foi na autorização dada à União (mas não aos Estados e municípios) para criar impostos extraordinários na ameaça ou na eclosão de tal confronto, ainda que não-incluídos no rol das competências tributárias federais (artigo 154, inciso 2º). A criação será imediata. A supressão, porém, será gradativa, depois de cessarem as causas da instituição.
A experiência do Vietnã (de que sabiamente nos ausentamos) e do conflito europeu (em que heroicamente estivemos presentes, na defesa de um ideal superior) mostra que a guerra é um horror, do qual devemos, por todos os meios a nosso alcance, ficar longe. Mesmo assim, ela está 12 vezes presente na Carta Magna de um país pacífico. É uma aventura da qual o homem não consegue libertar-se.

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