São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Ressurreição, só na Semana Santa

OSIRIS LOPES FILHO

Há um ditado na minha terra, Cachoeiro de Itapemirim, lá no Espírito Santo, de que ``o inferno está cheio de gente com boas intenções e o diabo não aguenta mais a superpopulação".
Veio-me à lembrança este ditado, em face da declaração do ministro Jatene, da Saúde, de que uma solução para a carência de recursos para financiar os seus programas seria a criação de um imposto do tipo IPMF, com vinculação da sua destinação ao seu ministério, para suprir a insuficiência das dotações orçamentárias.
Realmente, fico impressionado com a facilidade com que são propostos novos impostos no Brasil, com as melhores intenções, principalmente formuladas por pessoas respeitáveis que, querendo realizar ações meritórias e eficazes, ficam impossibilitadas de fazê-lo por escassez dos recursos.
Esquece-se que a nossa carga tributária indireta (IPI, ICMS, PIS, Cofins e ISS) é das mais elevadas. A unanimidade da população em torno da reforma tributária decorre da brutal carga tributária. Principalmente para as classes trabalhadora e média e as empresas, que pagam seus impostos. Não há mais tolerância para a criação de imposto ou sua elevação.
Recriar um imposto que incide sobre as movimentações financeiras é reincidir em perversa irracionalidade. O efeito cumulativo dessa incidência sobre a cadeia produtiva e comercial, no mínimo, é de cinco vezes a sua alíquota, podendo chegar a dez vezes.
Explicando de forma mais simples: se a alíquota nominal for de 0,20%, a efetiva aplicada sobre o preço final do produto ou do serviço parte de um piso mínimo de 1%, podendo chegar a 2%. Multiplicação cruel.
Além disso, há a proibição constitucional da vinculação da arrecadação de determinado imposto a fundo, órgão ou despesa (artigo 167, inciso 4º). Esta proibição decorre de que a experiência mostra que um gasto hoje prioritário pode não ser amanhã.
Por outro lado, as vinculações estabeleceram uma rigidez orçamentária insustentável, num país em que as demandas às ações estatais são múltiplas e, muitas vezes, de atendimento inadiável.
Um dos episódios mais tristes da nossa história tributária, a demonstrar a fragilidade do governo federal e a arrogância dos bancos privados, foi a tentativa de controle do IPMF pela Receita Federal.
Sob o argumento do sigilo bancário, muitos bancos privados se recusaram a identificar os contribuintes do IPMF e o montante individual de imposto pago. Limitavam-se a informar e transferir o volume do IPMF que alegavam ter arrecadado. Ocorreu, como é óbvio, a impossibilidade total do controle do imposto devido por cada contribuinte e a verificação da correção da arrecadação.
Em realidade, o IPMF foi um imposto ``caixa preta". O fisco só sabia do resultado global, sem poder investigar ou fiscalizar.
O ponto decisivo do problema consiste na rejeição do povo, pagante correto dos tributos, em relação à criação do novo imposto.
No país da evasão vitoriosa, é dever, mais do que poder, de o governo utilizar a administração tributária para combatê-la, obtendo assim os recursos adicionais de que necessita. Nada de elevação ou criação de impostos.
E que se moralizem e racionalizem os seus gastos, dando bom exemplo de economia governamental, que vai influenciar muito mais a população do que pregações vazias e protocolares feitas pela TV acerca da condução dos gastos individuais dos brasileiros.
Mas o que termina por me tranquilizar é que o ministro Jatene, cirurgião de qualificações excelentes, com mãos hábeis, mágicas, que alguns classificam de milagrosas, dedica-se a manter a vida de seus pacientes, mas não chegou ainda a conseguir a ressurreição.
Deixa o IPMF morto, dr. Jatene. Ele faleceu eutanasicamente em 31 de dezembro último para que, nas comemorações do ano novo de 1995, se tivesse, pelo menos, essa boa notícia.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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