São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Irresponsabilidade no BC

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

O Banco Central vem praticando taxas de juros irresponsáveis, que geram enormes transferências de rendas. Mas como a ação do banco é de difícil compreensão para o público, sua diretoria se dá o direito de praticar juros de agiota (de 60% ao ano).
Entretanto, o peso maior desta ação recai sobre o próprio governo, que é o maior devedor do país. Com isto, gera-se déficit público.
O governo deve cerca de R$ 64 bilhões de dívida em títulos, R$ 25 bilhões de outras dívidas e R$ 35 bilhões de dívida externa líquida (isto é, retiradas as reservas externas). Os rombos com o FCVS, FGTS e outros não estão somados a estes totais.
Usando a taxa de juros de 60% para a dívida interna e de 30% para a dívida externa (juros e variação cambial), a despesa com juros (só juros) será de R$ 63,9 bilhões (o leitor pode repetir o cálculo).
A previsão de arrecadação de tributos pela União feita pela Receita Federal é de R$ 62 bilhões -vide a Folha de sexta-feira. Com hipóteses mais otimistas pode-se prever uma arrecadação máxima de R$ 80 bilhões (sem contar novas dívidas ou operações de crédito).
Se o governo pagar os juros que vencem este ano -R$ 63,9 bilhões- e arrecadar R$ 80 bilhões, compromete 80% da receita. Mas a receita precisa ser usada com custeio, pessoal e investimento.
O orçamento só prevê gastar R$ 10 bilhões com juros em 1995 (já gastos no primeiro trimestre). Logo, os números mostram que as despesas com juros estão descobertas em R$ 54 bilhões (se a arrecadação ajudar). O governo está gerando um déficit público nominal de 12% do PIB.
Tal política irresponsável é ainda mais custosa para os Estados. O BC está levando São Paulo a falir. O mesmo havia ocorrido com a agricultura, que soube reagir e devolveu o problema para o governo.
Prevê-se que a arrecadação de São Paulo possa chegar a R$ 15 bilhões em 1995 (isto com o ganho em fiscalização). Mas só as despesas com juros atingirão R$ 18 bilhões (o Estado deve R$ 30 bilhões).
Ou seja, com a atual política de juros do BC, o Estado não pode gastar nada com saúde, educação e ainda fica devendo R$ 3 bilhões.
O que o governo de São Paulo vem fazendo? Não paga. O mesmo fazem os demais Estados. Só se pagam precatórias judiciais (com o conhecimento do BC). Com isto, a dívida de São Paulo cresce de uma folha mensal de ICMS, a cada mês.
Para onde esta ação do BC conduz? Para um novo calote; como no Plano Cruzado, Verão e Collor. Calote sobre os contribuintes.
Vamos separar alguns assuntos. A privatização das estatais produtivas que está sendo proposta é correta. É necessária para trazer mais eficiência e despolitizar a diretoria destas empresas. Deve ser apoiada.
Além do mais, a inflação está sob controle e deve permanecer baixa pelos próximos meses. O governo tem iniciativa e conta com apoio da população. Por estas razões não deve brincar.
Neste sentido, são curiosas as declarações do presidente do BC, divulgadas na sexta-feira, pedindo capitalização rápida do Banespa. Está pretendendo ignorar estes números?
A diretoria do BC diz que espera que a privatização reduza a dívida pública. Mas sabe que isto está longe do observado e não se dá ao trabalho de mostrar nenhum número sobre suas projeções.
Privatização, em nenhum lugar, tem conseguido ser um bom meio de redução de dívida em títulos, sem um acordo. O dinheiro arrecadado é usado para despesas urgentes, como se verificou no México, Argentina e mesmo aqui (dados disto ficam para a próxima coluna).
Só um exemplo. No Brasil, as privatizações feitas de 1992 a 1994 foram de cerca de US$ 8 bilhões (pagos com TDAs vencidos). Nestes anos, a dívida em títulos cresceu de R$ 51 bilhões para R$ 63 bilhões (dados do BC).
A privatização, sem reequacionar débitos, levará a problemas no futuro. É preciso um acordo com os credores que não imponha perdas às partes. Isto se faz com um acordo entre as lideranças do país -como já se fez meia dúzia de vezes no Brasil, neste século.
Mas a diretoria do BC tem se dado o direito de brincar de avestruz. Finge que não vê o problema que está criando e deixa o impasse para o futuro. Afinal, no futuro, todos estarão de volta às diretorias dos bancos privados. Os contribuintes é que ficarão com a conta.

Texto Anterior: Ressurreição, só na Semana Santa
Próximo Texto: Fiscalização de gás; Códigos de receita; Pagamento do IR; Despesas de custeio; Veículos poluentes
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.