São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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A ideologia dos juros altos

LUÍS NASSIF

Historicamente, o Estado brasileiro sempre foi utilizado como elemento de dominação do centro (os grupos politicamente organizados) sobre a periferia.
Em todos esses momentos, a chave de dominação do centro foi o controle de um dos principais insumos da economia: a moeda. Foi assim no Império, quando os traficantes de escravos eram os grandes acumuladores de capital da economia. Prosseguiu na República, quando os cafeicultores vitoriosos impediram que novos empreendedores tivessem acesso ao crédito do Banco do Brasil.
Há toda uma lógica de dominação no modelo de financiamento brasileiro, que fica clara a partir de três pontos centrais: a) desinteresse em criar um mercado de capitais forte, que democratize o acesso a investimentos; b) manutenção do modelo de financiamento do BNDES e dos fundos sociais compulsórios; c) manutenção de taxas de juros extremamente elevadas.
Dois pesos
É só conferir o que ocorreu nos últimos vinte anos. Nesse período, consolidam-se dois tipos de setores hegemônicos na economia. Numa ponta, setores industriais do eixo São Paulo-Rio. Na outra, grupos de jovens operadores que enriquecem à sombra do open market e da intimidade com os condutores da política monetária.
Para compatibilizar esse jogo de interesses, tanto no regime militar como na Nova República, os governos criaram dois mercados de juros. Numa ponta, o chamado livre mercado, com suas taxas incrivelmente elevadas, enriquecendo os aplicadores (os novos supergrupos) e arruinando os tomadores (as empresas em apadrinhamento político). Na outra, o mercado dos fundos compulsórios, com suas taxas subsidiadas beneficiando os tomadores (os grupos empresariais com cacife político) e empobrecendo os aplicadores (titulares de contas do FGTS).
Até na morte
Sem o concurso de um mercado de capitais forte, que democratize o acesso a recursos, as empresas politicamente órfãs são submetidas a juros de mercado, que as espoliam quando nascem, quando crescem e até na hora da morte.
Em geral, o valor das empresas é calculado em função de sua capacidade de gerar lucros futuros, descontado o valor presente pela taxa de juros básica da economia.
Nos Estados Unidos, a uma taxa de 8% ao ano, determinada empresa pode alcançar um valor de mercado da ordem de US$ 6,7 milhões.
No Brasil, basta o Banco Central aumentar a taxa de juros para 25% ao ano para o preço da mesma companhia cair imediatamente para US$ 3,6 milhões. Se os juros subirem para 45% ao ano, o preço da companhia cai para US$ 2,2 milhões.
No plano das relações com o Estado, o processo é semelhante. A dívida interna em poder do público está em US$ 65 bilhões. O governo informa que, dentro de um ano, a privatização a reduzirá para US$ 35 bilhões. Só que, em apenas um ano, as taxas de juros atuais implicarão em US$ 32 bilhões de recursos transferidos do Tesouro para os grandes investidores.
Falsos profetas
Há anos esse modelo concentra renda, condena a produção e impede a modernização e a renovação empresarial. Abortou sucessivos movimentos desenvolvimentistas, quebrou várias vezes o Estado, inspirou sucessivos calotes nos poupadores comuns, desviou recursos sem fim dos gastos sociais e da infra-estrutura e sacrificou milhares de empreendedores, em nome de uma falsa ciência.
Os arautos da nova ideologia venderam a idéia de que, se os juros baixassem, a inflação estouraria. Os juros mantiveram-se estupidamente elevados, e a inflação nunca cedeu.
Nos anos 70, já se premiava com juros reais as aplicações de curtíssimo prazo, sob a alegação de que, se os juros baixassem, haveria fuga de recursos do sistema.
Quinze anos depois, o economista Ibrahim Eris criou os fundões, a taxa de juros negativa, e não houve um tostão de fuga de recursos do sistema.
Está na hora de erradicar essa hipocrisia da vida nacional e expor algumas verdades cruas: Papai Noel não existe, cegonha não traz recém-nascidos e não existe isenção na política econômica, nem os economistas públicos são figuras tutelares.

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