São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Clarão no horizonte

ANTONIO KANDIR

Depois de três meses de mar revolto, rajadas desencontradas de vento e certo desacerto no convés, há claros sinais de melhora nas condições de navegação. Mais ainda, abriu-se horizonte muito promissor à frente, com o avanço das reformas constitucionais.
Todas as cinco emendas à ordem econômica enviadas ao Congresso já foram aprovadas no âmbito das Comissões Especiais, nenhuma delas por maioria inferior a 70%.
Duas já passaram pelo primeiro teste em plenário: a que flexibiliza o monopólio na distribuição do gás canalizado e a emenda que retira da Constituição a discriminação contra a empresa de capital estrangeiro instalada no Brasil, aprovada por 369 votos favoráveis (foram 103 os votos contrários).
A aprovação desta última, na quarta-feira passada, é um episódio histórico. Marca ponto de ruptura fundamental com o modelo de desenvolvimento forjado na Era Vargas, caduco há décadas.
A ruptura é tão mais importante por ter-se dado com apoio de maioria maciça, que não deixou de incluir, nem mesmo, dissidência significativa vinda dos partidos de oposição.
Votaram a favor da emenda os representantes do PPS, PV, três deputados do PSB e três do PDT, não obstante ter este partido fechado questão pela rejeição da emenda. Se no PT não houve dissidências, era indisfarçável o constrangimento de vários deputados do partido na sessão histórica da última quarta-feira.
Histórica não porque a decisão de aprovar a emenda tenha impacto imediato decisivo sobre a atração de recursos externos. Histórica, isto sim, por sua dimensão simbólica.
A maioria maciça que aprovou a emenda é expressão política cabal de que o processo de construção de um novo modelo de desenvolvimento, voltado à integração da economia brasileira à economia mundial, é irreversível.
Na última quarta-feira abriram-se, portanto, definitivamente, horizontes novos e muito promissores.
Esta substancial melhora das perspectivas de longo prazo vem se somar à melhora da situação cambial de curto prazo. Sabe-se que, a partir de novembro do ano passado, o país passou a acumular déficits crescentes em sua balança comercial. Em fevereiro, atingimos nosso pior resultado, um déficit de US$ 1.095 bilhão, com ligeira redução para US$ 935 milhões em março.
O quadro era ainda mais preocupante em face da inversão dos fluxos de capital depois da crise mexicana, inversão esta que resultou em saídas líquidas de US$ 4.300 bilhões em março.
Pois bem, este quadro sombrio dá sinais de desanuviar-se. Dados ainda não confirmados indicam que o déficit comercial em abril, mês em cuja segunda semana entrou em vigor a majoração de alíquotas de importação de 109 bens duráveis, apresentou queda acentuada, cravando a casa dos US$ 467 milhões, com redução significativa de todos os itens da pauta de importações, à exceção de bens de capital. Trata-se de inflexão forte na curva que se vinha desenhando anteriormente.
Acresce que, na conta de capital, as entradas voltam a superar as saídas. Chegamos ao ápice das perdas em março, diminuímos as perdas em abril e agora, em maio, caminhamos para um resultado positivo.
Além do avanço da reforma constitucional, concorrem para tanto as condições externas, principalmente a desaceleração da economia americana, agora inequívoca, e o consequente fim da temporada de taxas de juros para cima naquele país.
A perdurar esta tendência favorável quanto à entrada de recursos, abre-se espaço para redução, embora cautelosa, das taxas de juros, uma vez que a diminuição do risco cambial permitiria trabalhar com um diferencial menor entre taxas de juros interna e externa.
Como o Estado é o maior tomador líquido de recursos da economia, a redução das taxas de juros deixaria o governo em situação fiscal mais favorável, decisiva para que o Real continue sua viagem.
Viagem em mar mais calmo. Pois embora seja cedo para antecipar os efeitos das medidas de contenção de crédito, já se observa que, mais uma vez, a inflação de maio não confirma as expectativas pessimistas. Antes, o contrário, vem alimentando expectativas ainda mais otimistas para o mês de junho.
O Real navega, pois, em águas sem tormenta, com promissor clarão no horizonte. Em boa medida porque os comandantes da nau não permaneceram passivos diante das condições adversas. E isto mesmo os bucaneiros hão de reconhecer.

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