São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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Loducca, jurado em Cannes, enfrenta momento de decisão

NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

O publicitário Celso Loducca, 36, atingiu aquele ponto no trajeto de uma estrela da propaganda em que já não basta juntar cifrões ao contracheque.
``Ilusão ou não, uma hora você quer se sentir dono do próprio nariz", diz Loducca, recostado na cadeira de vice-presidente da Foote, Cone & Belding, a agência que ocupa o prédio com formato de disco voador no Centro Empresarial de São Paulo (zona sul).
``Essa profissão é como a de jogador de futebol. É assustador o que acontece com alguns veteranos", acrescenta. ``Um dia, obviamente, vou ser superado".
Quem está familiarizado com o frenético, instável planeta da propaganda há de concordar com os temores de Loducca, tentado a perseguir a trilha dos então ``golden boys" Washington Olivetto e Nizan Guanaes, que viraram a mesa para tocar negócios próprios.
É chegado o momento de decisão também para Loducca. ``É mais difícil escrever um bom texto do que dirigir o negócio", diz Roberto Duailibi, sócio da agência DPZ, ao comentar o impasse. ``Riscos existem de ambos os lados, mas Loducca tem garra", afirma Duailibi.
Nos bastidores do mercado intensificam-se os rumores de que ele já teria acertado uma sociedade com um grupo financeiro para fazer decolar no país a Lowe inglesa, que desde o ano passado busca parceiro no Brasil.
A Lowe faz as campanhas da Mercedes-Benz e brindou os telespectadores no ano passado com aquele comercial genial da Smirnoff, em que objetos inanimados se transmutam em animais de sangue quente.
Vinculada ao conglomerado mundial Interpublic, a agência conserva o poderoso artesanato criativo de uma legenda da propaganda: Frank Lowe, que preside em junho próximo o júri do Festival do Filme Publicitário de Cannes. Loducca é o jurado brasileiro.

Sondagens e veneno
Duas brasileiras da lista das dez mais demonstraram interesse no passe do publicitário, que também foi sondado pela BBDP francesa.``Ainda não fechei com ninguém", afirma e repete Loducca.
Como participação acionária é quesito básico na agenda de negociação, o publicitário prossegue as conversas com a FCB -embora seja pouco provável que a matriz norte-americana abra um precedente para segurar um executivo latino-americano.
O trunfo contábil com que conta Loducca, neste caso, é o aumento do faturamento, que saltou de US$ 45 milhões em 1992 para US$ 71 milhões em 1994.
Desde sua contratação 15 clientes -do porte da General Electric e L'Oreal- entregaram contas publicitárias à FCB.
Loducca faz questão de enfatizar essas informações de desempenho para refutar boatos viperinos difundidos no meio publicitário -``por alguém que conheço e ajudei no passado", diz ele- dando conta de que será demitido assim que retornar de Cannes.
``Loducca é um profissional com que qualquer boa agência gostaria de contar", diz Sergio Graciotti, da Graciotti & Associados. ``Espero que seu trabalho tenha sido bem compreendido".

Estilo de novela
Quem acha de gosto duvidoso o comercial humorístico da dona de casa que faz caretas no supermercado para provar ao marido que ainda é capaz de atrair homens, se espanta que tal campanha fez empinar as vendas da margarina Delícia até alcançar 32% de participação e ameaçar a liderança da concorrente Doriana.
O vice-presidente porém, não se surpreende: ``Abandonamos a publicidade limitada às referências publicitárias e mergulhamos na cultura dos consumidores", diz.
``Com essa campanha revivemos a Família Trapo", acrescenta, ao citar o programa humorístico exibido pela TV Record nos anos 60. ``O país é teledramático".
Há uma pitada de novela nos comerciais da FCB, como naquele de uma marca de tempero em que a mulher, à mesa do jantar, repete que a comida foi feita com amor e é interrompida pela empregada com um ``acabou o amor".
Ou na série de comerciais em que uma mulher identifica no vestido e lenço de outra a cor ideal para a cortina de casa. Para frisar que a margarina Bem-Te-Vi é uma ``marca da terra" -comercializada somente no Nordeste-, consumidores paulistas e cariocas são desafiados a decifrar expressões regionais típicas. Sobre xaréu, uma espécie de peixe, diz um paulista com ar sério: ``É um perfume francês, o Channel número cinco."
Em junho, Loducca fará um exercício semelhante. Parte rumo à Europa com a missão que se propôs de elucidar os colegas do júri de Cannes sobre peculiaridades da publicidade nacional.
``Somos sempre prejudicados nesses certames internacionais devido às grandes diferenças culturais", diz Loducca.

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