São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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Convidados mornos arruinam 'talk shows'

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pelo menos 30 pessoas por semana são entrevistadas em ``talk shows" noturnos na nossa televisão. Mesmo contando com a repetição dos convidados, são cerca de 1.500 personalidades por ano discutindo suas sugestões para problemas estruturais do Brasil, discorrendo sobre assuntos variados, revelando suas aventuras mais íntimas, mas principalmente divulgando suas produções. Haja assunto e versatilidade dos entrevistadores para preencher tanto espaço com perguntas inteligentes.
``Estamos trazendo a tosse para o centro do debate", explicou o Dr. Eli na sexta-feira no ``Jô Onze e Meia". Ficamos sabendo que os brasileiros tossem mais e por motivos diferentes do que os franceses.
Os telespectadores que resistiram à tentação do zapping e deixaram de ver o capítulo de ``Engraçadinha" na Globo, aprenderam sobre a classificação de vários tipos de tosses, como a tosse hemetizante. Esse misto de aula, consulta e palestra deve fazer sucesso, porque os médicos são plantonistas assíduos desses programas.
Em geral, há quando muito um entrevistado interessante por programa. No programa da Gabi, o Dr. Caio Rosenthal foi extremamente contundente em seu discurso antidiscriminação de aidéticos. Sua contribuição foi densa em informações úteis para a prevenção da doença. Estamos diante de uma epidemia terrível, mas controlável. A Aids se espalha com maior ímpeto nos países de Terceiro Mundo devido a descuido e preconceito.
Políticos como Sérgio Mota, Benedita da Silva ou José Genoíno vêm dar o seu recado ao lado de artistas que divulgam seus trabalhos. Às vezes sai um improviso interessante como o de Irene Ravache no Jô. Mas essas personalidades nem sempre dão conta de tantos espaços.
Diante da dificuldade de preencher o tempo, os programas saem do formato típico de divulgadores da indústria de entretenimento. Apostando na variedade, procuram demonstrar algum caráter inusitado de pessoas comuns, como o guardador de carros, ou a infanta modelo. Mais esquisita ainda pode ser a conversa de fabricantes de desodorante de privada.
Em matéria de ecletismo, a Hebe é insuperável. Em novo formato, seu programa junta a divulgação de espetáculos de todos os tipos com a divulgação do trabalho de organizações engajadas. Só ela é capaz de fazer o auditório vir abaixo ao som do ``eu sou uma pessoa pacífica" pronunciado por um marido agressor, cuja mulher estava sendo entrevistada junto com outras feministas da União das Mulheres de São Paulo.
E tranquilamente, no bloco seguinte, entrevistar atores em cartaz no Teatro Gazeta.
``Talk shows" são pensados como shows de variedades, espaços abertos para personalidades divulgarem seus empreendimentos e opiniões. Seu sucesso está calcado em sua capacidade de informar sobre assuntos de interesse geral. E no potencial de criar notícia.
O cabalístico número de três entrevistados por dia, aparentemente selecionados com pouco critério, tem dificultado o trabalho dos apresentadores. Não há humor de Jô ou toque incisivo de Gabi capaz de superar o tom morno de certos entrevistados.

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