São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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Titãs mostram sua porção "neguinha"

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Titãs mostram sua porção ``neguinha"
O baixista Nando Reis e o ex-vocalista da banda Arnaldo Antunes voltam à MPB em projetos individuais
O octeto Titãs enganou muitos por pouco tempo. Nunca praticou rock, mas um disfarce punk arquitetado pelo produtor Liminha para pôr a banda na moda. Seus membros eram hippies quando teens. No fundo, no fundo, gostavam mesmo era de tocar Milton Nascimento na flauta-doce.
Agora o rock brasileiro se foi, o grupo virou uma espécie de sede abandonada de clubinho de adolescentes e os rapazes, mais maduros, enveredam para projetos particulares. E mostram a verdadeira, inescapável e sempre escondida faceta: a porção ``neguinha".
Ela se verifica nos recém-lançados CDs solos de Nando Reis (``12 de Janeiro") e Arnaldo Antunes (``Ninguém"), para não citar o de Paulo Miklos, de 1994.
Que bonito é o ex-titã Arnaldo sambando o miudinho no seu segundo CD. O primeiro, feito com restos dos Titãs, eu sou capaz de apostar minha reputação como não vendeu 2 mil cópias, tão chato era. Mesmo assim, já trazia batuque.
``Ninguém" é uma empreitada menos experimental, com muito samba no pé. Há boas faixas, como as bossas ``Alegria" e ``Budismo Moderno". Ambas trazem trama curiosa de violão joão-gilbertiano e guitarra ``noise", por Edgard Scandurra e Paulo Tatit. Este devia se dedicar mais a acompanhar astros do que a escrever.
Ouve-se um toque do Olodum em ``Fora de Si", rock que joga com as pessoas verbais. ``Tempo" tem gostosinho baticum.
O disco evidencia, porém, que expirou a validade da poética antunesina. Epígono dos concretos, suas letras empacaram na paronomásia e na enumeração caótica.
Em vez de criar uma palavra-valise como Khliébnikov, o bardo dos Jardins forja a palavra-mala. Reforçam o tédio a voz cacófata e a interpretação afobada.
Pouco provável alguém ainda considerar achados versos como ``escova de dentes eu uso/ pra escovar os dentes eu uso" ou ``ninguém no carnaval/ ninguém é de ninguém". É de Borges, e não de Arnaldo, a expressão ``ninguém é alguém". Deve tê-la rapinado num sarau de Augusto de Campos.
Melhor resolvido é o trabalho de Nando Reis. Longe da dublagem de baixo que faz nos Titãs, ele mostra formas mais arredondadas e sensuais. Coisa de mauricinho do Itaim que aprendeu timbalada no ``Xuxa Park".
Pouco importa. O resultado é um CD ternurinha, de volta à casa, cheio de musicas assobiáveis.
O problema está na voz chinfrim falsete de Nando. Como uma praga, nas 12 faixas se ouve o eco de Marisa Monte, ex-namorada e parceira. As músicas são para ela.
Nando se firma como um dos melhores autores do pop brasileiro. Como se não bastasse ter ``desnelsonmottizado" Marisa Monte, ele agora cria pequenas reminiscências tropicalistas, como ``ECT" e ``Do Itaim para o Candeal". Mas cantar podia não. Precisa alugar uma voz. Em nome da arte, devia voltar para MM.
Arnaldo e Nando provam que quem já foi bicho-grilo jamais tira o pé da chinela. Hoje tem festa no congá. Dois ``neguinhas" sapateiam na linha evolutiva da MPB.

Disco: Ninguém
Lançamento: BMG Ariola
Disco: 12 de Janeiro
Lançamento: Warner
Preço: R$ 20 (o CD, em média)

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