São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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De âncora a bumerangue

DE ÂNCORA A BUMERANGUE

O Índice de Preços ao Consumidor da Fipe surpreendeu os mercados na semana passada. A maioria dos consultores e instituições financeiras fazia projeções que situavam a inflação numa trajetória preocupante. Esperava-se para o início de maio uma taxa média de pelo menos 2,5%. Os 2,3% finalmente apurados pela Fipe mostram que a alta dos preços está ocorrendo com menos vigor. Em abril a taxa apurada pela Fipe fora de 2,64%.
Uma inflação menor que a esperada é sempre motivo de comemoração. Nas atuais circunstâncias, entretanto, a mesma informação que anima pode revelar, examinados os detalhes, sinais preocupantes.
Isso porque a desaceleração observada tem como explicação fundamental os reajustes menores dos alimentos, principalmente os industrializados. Estes subiram 1,18% na primeira quadrissemana de maio, contra 1,79% em abril.
E a explicação para preços de alimentos tão bem comportados está na impressionante asfixia dos mercados agrícolas. Em plena safra, sob juros escorchantes -que obrigam os produtores a vender seus estoques- e suscitando temores de que a safra do ano que vem não repita a calmaria deste ano, a agricultura vem oferecendo ao Plano Real a mais significativa, ainda que a menos ostensiva, das âncoras.
Há também que levar em conta o fato de em maio terem pesado menos alguns itens que foram responsáveis pela alta do índice em abril, como cigarros, leite e mensalidades escolares. Mas o aluguel já está voltando a subir e, nos próximos meses, podem ocorrer outros reajustes por ocasião do aniversário do Plano Real. Basta lembrar, por exemplo, que em julho os transportes urbanos estarão comemorando tarifas congeladas por um ano.
Em resumo, a inflação caiu, mas à custa da âncora agrícola. O preço dessa vitória torna-se mais claro a cada dia. A bancada ruralista no Congresso parece estar prestes a obter uma anistia financeira à custa do Tesouro. Ou seja, dificultando ainda mais um equilíbrio orçamentário sem o qual não se alcança uma estabilidade duradoura.
A agricultura tem portanto servido como uma âncora contra a inflação no curto prazo. Mas poderá transformar-se, com o passar do tempo, em violento bumerangue.

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