São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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A Justiça é cega?

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - O leitor deste espaço sabe que não tenho admiração pelo senador Antônio Carlos Magalhães. Não gosto de seus métodos autoritários e fisiológicos que, não raro, descambam para a crueldade e baixaria -uma leve indicação são as correspondências que enviou a esta coluna. Não me impressiona seu esforço em aparecer como paladino da moralidade e desconfio que, por trás da sua anunciada eficiência administrativa, está o fato de que montou um império de comunicação para exaltar sua personalidade. Sou obrigado, porém, a fazer-lhe justiça provocado por uma reportagem publicada ontem pela Folha.
A reportagem mostrou a fragilidade do Judiciário, com sua inoperância, lerdeza e mesmo nepotismo. É injustamente, até agora, o mais preservado de todos os poderes. Devemos ser sinceros e reconhecer que, em parte, por causa da imprensa, habitualmente mais dura com o Executivo e Legislativo. São relatados casos dramáticos, nos quais as vítimas são os mais humildes, sem condições de fazer impor seu direito lesado.
O advogado Luiz Francisco Carvalho Filho sintetizou com brilho. A Justiça, segundo ele, não deve ser tratada com mais ou menos solenidade do que qualquer serviço público. Comparou, por exemplo, com o tratamento de água. Vamos reconhecer: se o serviço judiciário tivesse a mesma qualidade da água, haveria calamidade pública.
O ponto é o seguinte: existe uma falta de confiança no Judiciário. Não vou, aqui, comentar as causas, já reconhecendo que, em parte, devem-se à carência de estrutura: faltam juízes, computadores, a legislação está atrasada e o Congresso é lento em reformá-la. Sei que a lerdeza deve-se também às necessárias garantias de recurso ao cidadão.
Mas não se constrói democracia sólida sem confiança no Judiciário. Impossível existir esta confiança quando existe a imagem de que ali se protege o rico, de que pouco se controla o juiz e de que uma decisão demora até um século.
Embora não seja a pessoa adequada para levantar a bandeira (até porque é acusado frequentemente de manipular a Justiça e beneficiar-se de sua lerdeza), coube a ACM, porém, dar um valioso pontapé. Da tribuna do Senado, conseguiu repercussão para a discussão vital sobre a eficiência da Justiça.
O Judiciário tem duas opções: assume a ofensiva e melhora a qualidade de sua ``água" ou, na defensiva, corre o risco de ver prosperar contra a instituição ignorâncias e demagogias, comuns contra o Congresso. É tão óbvio que a Justiça só ficará parada se estiver cega.

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