São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 1995
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Safra de boatos

CESAR BORGES DE SOUSA

Longe dos gabinetes governamentais e das complexas estruturas financeiras existentes nas grandes cidades, uma verdadeira novela vem se desenvolvendo na comercialização do milho desde meados de março último.
Através da imprensa, chegam ao público notas, matérias e artigos a respeito de manifestações de produtores de milho contra a defasagem nos preços praticados no mercado.
Segundo estas publicações, o preço neste período estaria oscilando em torno de R$ 3,50, mobilizando principalmente os produtores do Paraná e de Goiás.
Principal reclamação: é impossível sobreviver como produtor com os preços nestes níveis, ainda mais se for levado em conta o preço mínimo fixado pelo governo, de R$ 6,32.
Reclamação justa, discurso duvidoso. Na esteira dos acontecimentos e das expectativas geradas a partir destas informações, levantou-se no campo poeira tamanha, que não se enxergou mais a realidade dos fatos.
Acreditamos que os fatos devem sempre ser baseados em números confiáveis, em se tratando de qualquer mercado de negócios.
O mais grave em todo o episódio é que, enquanto a poeira não baixar, fica muito difícil, para quem não conhece o funcionamento do mercado de milho no Brasil, estabelecer uma posição clara sobre a real situação.
Por isto, persistindo a dúvida, a lógica que se afirma é mais ou menos a de sempre.
Essa lógica postula, de um lado, ``produtor = prejudicado", e de outro, como ``vilões", todos os outros agentes que participam da comercialização da safra.
Inclusive as indústrias moageiras, representadas pela Associação Brasileira das Indústrias Moageiras de Milho (Abimilho).
Não há dúvidas de que o produtor está sendo colocado do lado certo da questão.
A mudança repentina das regras contratuais no meio do processo de comercialização, como a suspensão do crédito agrícola pelo Banco do Brasil, e a alteração da base de correção do financiamento pelo Congresso, no começo de abril, são apenas uns dos vícios -se não for o pior e mais antigo deles- da política agrícola oficial.
A mudança das regras contratuais vai afetar, mais do que ninguém, o pequeno e médio produtor rural.
Geralmente levado pelos ventos dos lobbies parlamentares, o governo não apenas costuma intervir no mercado na hora errada, como insiste em manter mecanismos ultrapassados de intervenção.
O que deveria representar uma necessária atividade reguladora torna-se fonte adicional de instabilidade.
Entretanto, a divulgação de cifras irreais não parece ser a melhor forma de lutar contra um mecanismo enferrujado de comercialização.
Os preços do milho realmente estão defasados, e abaixo do preço mínimo do governo, mas não nos níveis noticiados.
Pelo menos é esta a realidade que as indústrias moageiras têm encontrado no mercado há mais de 40 dias.
Vamos aos dados das regiões fornecedoras de milho para as indústrias moageiras do Paraná, onde se localiza a maioria delas.
Em 13 de março passado, essas indústrias compraram o milho da região de Apucarana por R$ 5,54, incluído o frete.
Em 20 de abril, o mesmo milho estava sendo comprado a R$ 6,14.
Mesmo considerando outras regiões produtoras brasileiras, não se encontram cotações abaixo das mencionadas.
Estes dados, coletados no mercado, representam os preços praticados por todas as indústrias moageiras no Paraná.
Curiosamente, foram publicados muitas vezes lado a lado com informações inverídicas sobre o preço do milho.
Permanece um mistério, portanto, a origem do preço de R$ 3,50 que se chegou a anunciar.
Esses são dados concretos, práticos, como também é o fato de que se está comercializando uma safra 94/95 de 32 milhões de toneladas, volume 8% superior à de 93/94.
E mesmo com uma oferta maior, os preços atuais, em dólar, são semelhantes aos de um ano atrás.
No que tange à ação das indústrias representadas pela Abimilho, nunca existiu qualquer intenção de alimentar uma prática selvagem de mercado, em busca de preços baixos.
Uma das principais orientações da Abimilho é motivar o aumento constante da qualidade do milho produzido no país.
Prova disso são os vários simpósios, encontros e debates aos quais a entidade tem participado com produtores, pesquisadores e representantes do governo.
Nesse eventos, a preocupação maior é justamente a busca de um milho de qualidade, tanto para a alimentação humana, como para a animal.
Meta da qual se beneficiariam todas as partes envolvidas.
Apoiar a prática de preços justos faz parte desta visão qualitativa, e os moageiros de milho estão dispostos a pagar o preço que a qualidade vale.
Não se alcança justiça de mercado com guerrilhas de informação, mas com a adoção de mecanismos mais modernos de mercado.
Esses mecanismos devem corrigir as distorções do quadro atual, em que uma minoria politicamente influente beneficia-se com a maior parte dos créditos agrícolas -quando eles existem.
Já a imensa maioria dos produtores não pode sequer ter certeza de que existirá uma safra de inverno.
A adoção de bolsas de futuro e outros instrumentos de mercado que acabem com as interferências políticas e limitem o governo ao papel que lhe deve como regulador das transações é o melhor caminho.
O caminho de propostas concretas e de lisura na ação de mercado.

CESAR BORGES DE SOUZA é presidente da Associação Brasileira das Indústrias Moageiras de Milho (Abimilho).

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