São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 1995
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Cineasta iraniano leva polêmica às paralelas

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Será oficialmente aberta amanhã em Cannes a temporada de caça a novos talentos e sucessos inusitados. Vale ``caçar" em qualquer das paralelas às sessões oficiais da concorrida Palma de Ouro do festival.
Estão credenciados para a tarefa 3.000 jornalistas internacionais e igual número de profissionais que promovem seus filmes no mercado ou compram os filmes dos outros.
Apenas nove entre os 29 filmes programados oficialmente fora da competição, incluindo os do ``Certain Regard", já tem garantia de lançamento no Brasil.
O sucesso diante das platéias de Cannes pode afastar o fantasma do prejuízo que acompanha qualquer investimento.
Na certa, um dos agitados dias de Cannes no ``Certain Regard" servirá para consagrar os filmes censurados ``Tempo de Amor" e ``Salam Cinema", do iraniano Mohsen Makhmalbaf.
``Salam Cinema" (Salve Cinema) é um docudrama concebido como homenagem ao centenário do cinema. Só que sem nenhum glamour. Cruel e constrangedor, o filme dá vez aos perdedores. Seus protagonistas são, na verdade, os candidatos com menos qualificações para serem atores. Um espetáculo perturbador.
Makhmalbaf, diretor de ``O Ambulante", ``O Ciclista" e ``Era uma vez o Cinema", teve como resposta ao anúncio de caça de talentos mais de 5.000 candidatos querendo atuar em seu novo filme. O tumulto e os testes são a base do filme.
Só que a censura iraniana proibiu justamente uma sequência de dez minutos que falava de Cannes, em que uma ingênua candidata diz querer ser atriz apenas pela esperança de viajar depois com o diretor (para o festival) e reencontrar seu amado que deixou o país.
``Tempo de Amor", um filme anterior de Makhmalbaf, livra-se em Cannes de uma situação ainda pior: estava completamente proibido desde 91. Antes da confirmação do filme para Cannes, outros 14 festivais internacionais já haviam programado retrospectivas e homenagens ao cineasta iraniano.
Outro notável do Irã, Abbas Kiarostami, vai aparecer indiretamente na seleção da ``Quinzena dos Realizadores". Será pelo roteiro original do filme ``O Balão Branco", do estreante Jafar Panahi, que foi seu assistente em ``Através das Oliveiras".
A marca da simplicidade prevalece outra vez. Uma menina convence a mãe a lhe dar um peixe dourado. A caminho da loja ela perde o dinheiro. Mas não voltará para casa enquanto não conseguir o seu peixinho...
Wim Wenders apresenta ``A História de Lisboa", programado para encerrar o ``Certain Regard". Wenders fez o filme de encomenda para a Lisboa 94, quando a cidade foi capital cultural da comunidade européia.
O filme saiu melhor do que a encomenda. O ator belga Patrick Bauchau faz de novo o alter ego do cineasta alemão, repetindo personagem e fórmula iniciados também em Portugal com ``O Estado das Coisas".
A transgressão e o cinema de emoções explícitas são um reduto quase sempre exclusivo da seleção da ``Quinzena". Três personagens devassos da vida noturna londrina prometem romper mais convenções sociais com ``Três Passos para o Paraíso", de Constantine Giannaris.
``Ovos", do norueguês Elent Hamer, explora o mesquinho mundo familiar, onde dois irmãos se unem contra um terceiro indesejável.
Já a ``Semana da Crítica" sempre deixa a impressão de que se está diante de experimentalismos irredutíveis. A exceção este ano parece ser o ``road-movie" ``Madagascar Skin", do britânico Chris Newby.
Para as 32 distribuidoras independentes do Brasil que estarão em Cannes, há também a maratona das sessões exclusivas ao mercado, com mais 300 filmes em oferta.
Não se pode esquecer que há três anos uma das melhores vendas de Cannes foi conseguida com apenas duas sessões de mercado, sem nenhuma participação em festivais. O futuro sucesso internacional se chamava ``Como Água para Chocolate", do mexicano Alfonso Arau.

Consagração
O ano de 94 foi o da consagração australiana nas seções paralelas de Cannes -``Priscilla, a Rainha do Deserto", no ``Certain Regard", e ``O Casamento de Muriel", na ``Quinzena".
O ``Certain Regard" mostrou ainda dois filmes da série francesa sobre a juventude do país: ``L'Eau Froide" (Água Fria), de Olivier Assayas, e ``Rosas Selvagens", de André Téchiné, versões mais longas, para cinema, da brilhante série de televisão ``Tous les Garços et les Garços et les Filles de leur Ages".
A ``Quinzena" teve ainda ``Comer, Beber, Viver", de Ang Lee, um dos cinco finalistas ao Oscar de melhor filme estrangeiro, e ``Bandit Queen", do indiano Shekhar Kapur, que só não foi ao Oscar devido à pressão do governo do seu país contra a promoção internacional do filme.
As paralelas de Cannes vêm cumprindo uma importante função complementar à seleção competitiva do festival, revelando autores ou homenageando veteranos realizadores.

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