São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 1995
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D. Lucas teme manipulação das CEBs

FERNANDO MOLICA
ENVIADO ESPECIAL A INDAIATUBA (SP)

Presidente eleito da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Lucas Moreira Neves, 69, afirma, em entrevista à Folha , que as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) correm o risco de ser manipuladas por ``partidos, sistemas e ideologias".
Um dos sustentáculos da ação dos chamados ``progressistas", as CEBs são grupos de católicos formados em geral por lavradores ou operários e que buscam unir religião com ação política e social.
Apesar da advertência, o futuro presidente da CNBB diz considerar as CEBs úteis para a igreja.
Na avaliação de d. Lucas, não se pode excluir a possibilidade de que sua eleição seja consequência de um novo momento da Igreja Católica no Brasil, em que há uma maior preocupação com valores espirituais e religiosos.
O novo comandante dos bispos brasileiros foi eleito a partir de uma articulação do chamado setor ``conservador" do clero. Sua escolha representa o fim de 25 anos de hegemonia dos ``progressistas" na direção da CNBB.
``Conservadores" e ``progressistas" divergem, principalmente, na prática evangélica.
O grupo aliado a d. Lucas entende que a divulgação do credo católico deve ressaltar valores espirituais.
Já para seus adversários, a propagação da fé cristã deve estar vinculada a uma prática política e social em defesa dos chamados setores marginalizados na sociedade capitalista.
Na entrevista, d. Lucas fala também de sua atuação em defesa de presos políticos durante o regime militar (período que durou de 1964 a 1985, no qual o país foi governado por representantes das Forças Armadas). Entre 1967 e 1974, ele foi bispo-auxiliar da Arquidiocese de São Paulo. Hoje ele é arcebispo de Salvador.
O novo presidente da CNBB detém ainda o título de cardeal-primaz do Brasil. Salvador foi a primeira arquidiocese criada no país.
D. Lucas assume o cargo depois de amanhã, no encerramento da 33ª Assembléia Geral da entidade, no bairro de Itaici, em Indaiatuba (a 100 km de São Paulo). A seguir, os principais trechos da entrevista.

CONSERVADOR
``Rejeito estas rotulações. Este tipo de rótulo é digno de insetos ou pedras, não de pessoas. Nem em termos de política nacional ou internacional se usa mais este tipo de classificação.
Os rótulos de `conservador' e `progressista' ofendem a quem rotula e a quem é rotulado. É pueril. Até porque uma pessoa pode evoluir, pode mudar.
Posso ser `conservador' porque quero conservar a fé e a tradição da igreja. Da mesma forma, sou `progressista' porque quero o progresso da igreja, das ciências, das artes, da política."
FUNÇÃO DA IGREJA
``A missão fundamental da igreja é evangelizar. Ela deve anunciar Deus, o grande excluído da sociedade. A igreja tem também uma dimensão social e política.
A diferença é que, ao cuidar da dimensão política, ela não se torna um partido, nem um Estado dentro do Estado.
Ela aborda os problemas a partir da fé, da divindade da pessoa. Se não fizer isto, vai atuar de maneira partidária. Só pode atuar no social se for muito forte por dentro."
DIVERGÊNCIAS
``Há bispos que, por causa da situação de suas dioceses, são obrigados a acentuar a parte política. Talvez alguns tenham acentuado demais. O contrário também pode ter ocorrido (acentuação maior no aspecto religioso). Como bispo, tenho procurado atuar nas duas vertentes."
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
``Não é verdade que tenha participado de qualquer articulação contra a Teologia da Libertação. Jamais ocultei, porém, que estou de acordo com os dois documentos da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sobre o assunto. Há uma Teologia da Libertação que não é apenas útil como necessária. Há outra, que não conseguiu resultados válidos, que se apoiou na análise marxista (referência a Karl Marx, filósofo socialista alemão). Sou favorável à primeira e contra a segunda."
CEBs
``As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) são de grande utilidade para a igreja, mas correm perigo. Os riscos são o de se considerar a única igreja e de não admitir outra coisa que não seja CEBs, o de se isolar e o de se deixar manipular por partidos, sistemas e ideologias. Não sei se sou otimista, mas no Brasil, a tendência é de que haja CEBs verdadeiras, ligadas à igreja."
REGIME MILITAR
``Em nome dos dois arcebispos com que trabalhei (d. Agnelo Rossi e d. Paulo Evaristo Arns) entrei em contato com o então 2º Exército e com o Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social, órgão do regime militar voltado à repressão de atividades políticas) para atender sobretudo a membros da igreja. Atendemos também a outras pessoas, comunistas, inclusive. Mas procuro ser discreto ao falar sobre isto."
VATICANO X CNBB
``Todos os meus antecessores na CNBB me disseram não saber porque certa literatura enfatiza tanto este desencontro. Certamente é uma avaliação inflacionada. Mas não quero decepcionar os bispos que votaram em mim por confiar em um bom relacionamento com o Vaticano. Quero é fazer tudo pela unidade. Não quero me deter na tese dos que falam em crise, quero trabalhar no fato positivo."
SUA ELEIÇÃO
``Sinceramente não sei, mas não quero excluir a hipótese de que o caráter da minha eleição signifique a mudança da igreja brasileira."
CULTURAS
``O Evangelho respeita cada cultura e deve ser traduzido para poder ser entendido, ficar mais acessível. Porém, no processo de aculturação ou inculturação (sic) o Evangelho não pode perder suas dimensões essenciais. Se uma cultura a ser evangelizada aceita a matança de crianças ou de inimigos, isto não poderá ser adaptado para o Evangelho."

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