São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 1995
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Francês defende 'mestiçagem' da fotografia

FERNÃO PESSOA RAMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Philippe Dubois, conhecido no Brasil principalmente por suas análises na área de fotografia, por meio da tradução de seu livro ``O Ato Fotográfico e Outros Ensaios", realiza a partir de hoje uma série de conferências no país (veja quadro abaixo).
Desenvolvendo uma visão particular do ``ato fotográfico", trabalha com a obra de artistas de vanguarda como Denis Roche, Michael Snow, Marcel Duchamp, Gina Pane, Robert Rauschenberg e Andy Warhol.
Seu campo de pesquisa abrange também o cinema. Nos últimos anos, publicou textos sobre Jean-Luc Godard, Luis Buñuel, Wim Wenders e Fritz Lang.
Atualmente, está lançando o livro ``Le Cinéma Suspendu et la Photographie Tremblée", que tematiza as regiões limítrofes entre diferentes campos da imagem, como o cinema e a fotografia. A seguir, trechos da entrevista com o Dubois.

Folha - O título da conferência que você programou sobre a fotografia fala de uma ``mestiçagem" de imagens. Esta mistura é uma tendência da imagem contemporânea?
Philippe Dubois - Na fotografia que hoje podemos chamar de ``criativa" há fotógrafos-artistas que pensam que a imagem fotográfica é algo muito fechado e tentam sair deste quadro mais restrito emprestando procedimentos de linguagem, seja da pintura, seja do cinema ou do vídeo.
Temos também diversos fotógrafos trabalhando não sobre a base de uma só fotografia, mas sobre séries fotográficas, às vezes narrativas, às vezes compondo quadros que se delineiam a partir de ensaios combinatórios de encadeamentos de imagens. A fotografia criativa, atualmente, é atravessada pelas outras artes.
Folha - Neste sentido, quais são os trabalhos mais estimulantes que você vê na produção fotográfica contemporânea?
Dubois - Gostaria de citar alguns nomes de jovens fotógrafos dentro desta tendência que mantêm um diálogo próximo ao universo das artes plásticas: o espanhol Joan Fontcuberta, o alemão Jochen Gertz e o francês Bernard Faucon.
Folha - Neste ano do centenário, como você vê o futuro do cinema?
Dubois - Hoje é lugar-comum a afirmação de que o cinema está em crise, que as tecnologias digitais da imagem irão se tornar dominantes. No meu ponto de vista, o cinema ainda deve permanecer como o vínculo essencial entre o homem e o mundo. Este núcleo do cinema não irá desaparecer.
Folha - Em seu artigo já traduzido para o português ``A fot(o)autobiografia ou a fotografia como imagem-memória no cinema documental moderno", você trabalha com uma imagem muito particular, a imagem autobiográfica. Como caracterizar esta imagem?
Dubois - Agnès Varda, Hollis Frampton, Chris Marker, Raymond Depardon etc. são artistas que têm para com a imagem uma visão que não é a visão da ficção, da criação em universo fechado em relação ao qual há um efeito de crença do espectador.
O classicismo desenvolve a idéia da ficção e da crença. Para quebrar esse efeito, estes artistas fazem uma exposição direta do que eles são pessoalmente, nos dizendo: ``Sou fotógrafo", ``sou cineasta". Existe aí uma relação direta entre o criador e o espectador, impedindo a idéia de uma ficção em que o autor está ausente e o espectador excluído.
Quando vemos Robert Frank dizer em seu filme que sua filha morreu em um acidente de avião, que seu filho tornou-se louco e está internado em um hospital, há, entre ele e nós, uma ligação para além da idéia da ficção de um personagem infeliz.
Folha - Em sua programação no Brasil, está prevista uma conferência sobre a obra em vídeo de Jean-Luc Godard. Como esta produção se relaciona com sua obra cinematográfica, mais conhecida?
Dubois - Godard começou a trabalhar com vídeo a partir de meados dos anos 60, em filmes de conotação política que misturavam cinema e vídeo. E mantém até hoje uma contínua atividade em vídeo até hoje desconhecida.
Ele trabalha com seus próprios meios, instalou em sua casa uma unidade de produção em vídeo: câmera, montagem, efeitos especiais, som etc. O que o atrai neste suporte é o fato de poder criar sem ter as limitações próprias a uma equipe de técnicos e todos os outros empecilhos do cinema.
Godard é um pensador individual, e o vídeo lhe permite trabalhar sozinho. Por outro lado, sua atração pelo vídeo vem do fato de este lhe permitir ter uma relação direta e imediata com a imagem.
O que ele vê sobre a tela está sendo produzido simultaneamente. Godard possui uma sensibilidade particular para esta dimensão ``ao vivo" da constituição da imagem-vídeo que o cinema não proporciona.

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