São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 1995
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Exposição lembra 30 anos da 'Opinião 65'

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Exposição: Opinião 65 - Trinta Anos
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Primeiro de Março, 66, região central do Rio)
Quando: abertura hoje, às 19h, de amanhã a 16 de julho

Em 1985 ela foi lembrada com uma exposição na galeria de arte do Banerj, no centro do Rio. Hoje ela ressurge no Centro Cultural Banco do Brasil, também no Rio, com tudo a que têm direito os seus 30 anos de existência. A rigor, ainda faltam três meses para a efeméride, mas os curadores da mostra ``Opinião 65 - 30 Anos", Wilson Coutinho e Cristina Aragão, aceitaram sua antecipação com naturalidade. O fundamental não é a data, mas a celebração em si. ``Opinião 65" foi um marco na história das artes plásticas brasileiras.
Dela participaram 17 artistas brasileiros e 13 estrangeiros, alguns então já conhecidos, como Ivan Serpa, 42, e Wesley Duke Lee, 34 (idades à época), vários em início de carreira, como Antonio Dias, 21, ex-aluno de Goeldi, que se mantinha ilustrando livros e revistas, Carlos Vergara, 24, químico da Petrobrás com aprendizado no ateliê de Iberê Camargo, e Rubens Gerchman, 23, diagramador da revista ``Manchete". Pertenciam a um grupo do qual faziam parte, ainda, Roberto Magalhães, 25, Ângelo de Aquino, 20, e José Roberto Aguilar, 24, e já haviam exposto na Petite Galerie, no ano anterior.
O que os unia? A rebeldia. Com causa. Afinal de contas, não viviam mais nos tempos de James Dean e da brilhantina. Não eram apenas contra os militares que haviam recentemente tomado o poder, mas sobretudo contra a ditadura do abstracionismo. Ai de quem ousasse, no início dos anos 60, pintar algo que representasse alguma coisa.
Em 1964, os ventos começaram a soprar em outra direção. A consagração do norte-americano Robert Rauschenberg na Bienal de Veneza foi a senha de que o bem-bom do tachismo estava com os dias contados. E uma nova figuração pavimentou o caminho por onde a arte pós-moderna chegaria ao país adotivo de Manabu Mabe. Em ``Opinião 65" ela chegou, oficialmente, aos olhos do público. Em clima de fuzarca. Foi naquela mostra que Hélio Oiticica, 28, introduziu os seus parangolés ao som da Escola de Samba da Mangueira.
Montada pelo marchand Jean Boghici e pela crítica de arte Ceres Franco, no bloco escola do Museu de Arte Moderna do Rio, sua primeira vítima foi o pintor português Bernardo Marques, homenageado no saguão principal do museu com uma retrospectiva póstuma. Sua exposição não ficou propriamente às moscas, mas a da nova formulação visual de Oiticica & cia atraiu muito mais gente.
O título, achado durante um vôo de Boghici e Franco de Ibiza a Barcelona, foi um gesto de solidariedade. Há meses que fazia sucesso no Teatro de Arena do Rio o show ``Opinião", escrito por Armando Costa, Oduvaldo Viana Filho e Paulo Pontes, dirigido por Augusto Boal e com Nara Leão cantando músicas de Zé Keti e João do Vale. Uma delas era ``Carcará", transformada em hino da revolução social camponesa nordestina. A que dava título ao espetáculo não era menos contundente:
``Podem me prender/ podem me bater/ podem até deixar-me sem comer/ que eu não mudo de opinião".
Quem viveu aquele tempo sabe o quanto ``Opinião" significou não só para a música popular brasileira, mas também para a resistência intelectual aos primeiros desmandos do regime fardado. Apreensões, intimidações e prisões já eram fatos corriqueiros entre os que se ocupavam de cultura. Em quase tudo os ignorantes e paranóicos esbirros da nova ordem viam o dedo maligno do comunismo. Confundiam cubismo com Cuba e o romance ``O Vermelho e o Negro" com propaganda comunista e anarquista. Hoje isso parece engraçado, mas na época não era.
Apesar de obras inegavelmente influenciadas pelo clima político pós-64, como ``Vencedor" (quadro de Dias com um quepe de milico), ``O General" (de Vergara), ``Carnê Fartura" (de Gerchman) e ``OEA" (de Flávio Império), era bem menos engajada do que se supõe a mostra ``Opinião 65". Dos seus jovens integrantes, Aguilar era o único diretamente ligado à esquerda institucionalizada. De qualquer modo, todos ainda acreditavam que a arte e a juventude podiam mudar o mundo.

Mercado
Ao contrário da geração moderna de 22, ressalta Wilson Coutinho, a de 65 fez o seu vínculo mais forte com o mercado, e não com os salões. Esta talvez tenha sido a sua segunda maior novidade. O mercado, na época, não era grande coisa, mas os artistas jovens vendiam suas obras a preços muito baixos, quando não as barganhavam com empresas aéreas. Ga‹tis trocou três quadros por uma passagem de avião Paris-Rio.
Ga‹tis era um dos estrangeiros. Assim como Adzak, Foldès, Vanarszky e nove outros mais. Boghici pensou em confrontá-los com os brasileiros, justapondo Adzak aos popcretos, Foldès a Dias, Ga‹tis a Vergara, e por aí afora. Mas ficou na intenção. Também na intenção acabou ficando o projeto de, a cada ano, reeditar a mostra. Ainda houve uma ``Opinião 66", com a participação de Lygia Clarke, mas sem a expressividade da primeira. A de 1967 nem chegou ao papel.
Com música ambiental (``Carcará", evidentemente), fotos e painéis que retratam o espírito da época e 12 trabalhos de recente feitura, a mostra do CCBB é mais que uma simples retrospectiva. Deu trabalho montá-la, pois nem todos os colecionadores se dispuseram a ceder suas relíquias. Um deles recusou-se a emprestar um jogo de futebol pintado por Gerchman, alegando estar ``zangado" com o pintor. Coutinho tentou argumentar. Não houve jeito. O colecionador também é do tipo que não muda de opinião.

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