São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 1995
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Vergonha

CLÓVIS ROSSI

BUENOS AIRES - Sempre achei absurdo o veto constitucional, no Brasil, à reeleição dos governantes. Nada pode ser melhor do que dar a um bom presidente (ou governador ou prefeito) o prêmio de um segundo mandato. Da mesma forma, nada mais democrático do que um mau governante ser punido nas urnas pelo único detentor da soberania, o eleitor.
Essa lógica contrasta, no entanto, com o que se vê na América Latina, em especial na sua mídia. Na Argentina, por exemplo, uma pesquisa mostrou que o candidato à reeleição, Carlos Menem, foi citado, em abril, 14.555 vezes, quase o dobro das 7.353 menções a José Octavio Bordón, seu principal adversário.
Na TV, então, a desproporção era maior, até porque o peronismo de Menem era o único que dispunha de recursos financeiros para publicidade televisiva.
Ressalvo que não acho que a mídia eleja presidente ou derrube candidatos. Se fosse assim, Leonel Brizola jamais teria sido eleito duas vezes no Rio de Janeiro, QG da Rede Globo, sua inimiga figadal.
Ainda assim, cria-se um desequilíbrio entre os candidatos, que turva um princípio eleitoral básico, qual seja o da igualdade de oportunidades entre os concorrentes, respeitado, é lógico, o peso de cada qual.
Aí, surge um problema cultural, que é o governismo muitas vezes desavergonhado de uma fatia do jornalismo, no Brasil como no resto da América Latina.
Na Argentina, dava vergonha ser jornalista ao ver o comportamento de uma parcela substancial dos homens de TV, principalmente. Houve até um entrevistador famoso que brindou com o presidente, diante das câmeras, pela vitória eleitoral. Nem na Globo se faz isso (ao menos, não diante das câmeras).
Há quem acredite que esse problema se resolva mediante o tal de ``controle social dos meios de comunicação", formulação que não consegui entender exatamente como funciona. Talvez. Mas a solução, mesmo, só virá no dia em que tivermos, os jornalistas, mais vergonha na cara e menos fascínio pelo poder.

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