São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 1995
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O Estado e o corcunda

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Como ex-seminarista, o deputado Roberto Campos sabe rezar a Ave Maria em grego e latim. Não chega a ser vantagem: eu também sei. Os seminários pré-conciliares ensinavam essas curiosidades que a gente guarda para o resto da vida.
Louvo-lhe sempre a cultura e a coerência, mas noto que comete um erro ao julgar que o socialismo soçobrou com a URSS -erro que é comum a neoliberais sem a sua cultura e a sua coerência.
O socialismo é anterior e posterior à URSS, que optou pelo desvio marxista-leninista também conhecido pelo apelido de ``comunismo". Embora digam o contrário, a história ainda não acabou, pelo menos até o momento em que escrevo essas mal traçadas.
É o ideal mais recorrente da humanidade. Se se coloca o socialismo como o contrário do neoliberalismo, pode ser que o PIB e a taxa de câmbio sejam mais saudáveis no regime que está no poder. O Estado deve gerir a sociedade dos capazes, dos fortes, dos mais organizados. O resto deve ser entregue aos planos assistenciais de Dona Ruth ou à polícia.
As instituições do Estado ficam sob controle da classe capaz. Os incapazes, que não podem dominar o Estado, o Congresso, a mídia, o Judiciário, esses que se virem -o corcunda sabe como se deita.
E o resultado é que os corcundas, de uma forma ou outra, aprendem a se deitar. Já que não podem ter o Estado a seu favor, providenciam outro estado de coisas que estão ao alcance de qualquer um. Não falo das armas de uso exclusivo das Forças Armadas, que têm um bafio estatal. Falo no vulgar 38 -o popular trezoitão- que tem excelente capacidade de também fazer estrago.
Como na competição neoliberal cada qual usa as armas de que dispõe, o problema se resume em saber quem é o mais capaz de quê. O socialismo propõe outro tipo de solução.
Daí que os socialistas nunca embarcaram na ditadura do proletariado. Nem em qualquer outro tipo de ditadura. Mas, se a sociedade é um ringue, que nele entrem, limpamente, os competidores com suas armas. O Estado para uns, o 38 para outros. Como no boxe, que vença o melhor.

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