São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1995
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Darcy Ribeiro defende sua teoria do Brasil como `a nova Roma'

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O antropólogo Darcy Ribeiro, 72, deu seu tradicional show de eloquência em sua palestra de anteontem à noite no evento Banco Nacional de Idéias, em São Paulo.
Falando a um público de quase 200 pessoas, o antropólogo partiu dos temas do evento -``multiculturalismo", ``transculturalismo" e ``sincretismo cultural"- para discutir as principais teorias antropológicas adotadas para explicar as relações entre as culturas na formação do ``povo brasileiro".
Começou por refutar a idéia de ``aculturação" como influenciação recíproca de duas culturas. Segundo ele, o que houve foi a destruição de culturas pelos europeus.
``A expansão do homem branco foi a maior catástrofe da história humana", afirmou. ``Antes a humanidade tinha dezenas, centenas de caras, com modos de viver diferentes. A expansão européia reduziu essa diversidade."
Ribeiro rejeitou em seguida a teoria do ``relativismo cultural": ``É bonito dizer que as culturas devem ser respeitadas em sua diferença. É como dizer que galinha não é inferior a rinoceronte. Mas é fechar os olhos à destruição brutal de povos pelos europeus".
Como alternativa às teorias rejeitadas, o antropólogo apresentou seu conceito de ``transfiguração étnica", que estuda como os povos surgem e se transformam por forças bióticas (doenças, mudanças genéticas) e ecossociológicas (por exemplo, o afastamento de povos indígenas de áreas que passaram a ser ocupadas por gado).
Darcy Ribeiro criticou com veemência a antropologia moderna. Segundo ele, esta se tornou ``deliberadamente burra", transformando-se numa espécie de ``barbarologia", que cataloga minúcias sobre milhares de povos considerados exóticos, mas se exime de interpretar e explicar o desenvolvimento humano.
Lançando mão dessa ambição explicativa, Ribeiro resumiu alguns pontos de seu livro ``O Povo Brasileiro", recém-lançado pela Companhia das Letras.
Entre os conceitos mais interessantes e divertidos que apresentou está o de ``ninguendade".
``Os filhos que nasciam não se reconheciam nas mães nem nos pais, eram `nadas'. Dessa `ninguendade' de mamelucos, e também da dos mulatos, nasceu o povo brasileiro", afirmou.
O antropólogo reafirmou sua idéia algo ufanista de que a civilização surgida dessa mistura de raças transforma o Brasil na maior expressão neolatina do mundo: ``A nova Roma é o Brasil, a província mais rica e mais bela da Terra".
Depois da exuberância verbal e imagética de Darcy Ribeiro, a intervenção do arquiteto carioca Paulo Casé (que substituiu Oscar Niemeyer à última hora) teve um sabor de anticlímax.
Lendo textos que escreveu há anos, o arquiteto historiou a busca de uma arquitetura brasileira, não-colonizada, e arrancou bocejos da platéia.
O cineasta Cacá Diegues falou a seguir e reanimou a noite. Sintetizou com uma clareza exemplar as idéias de Ribeiro em seu novo livro e, de quebra, situou o antropólogo na linhagem de intelectuais que se dedicaram a pensar o país (Gilberto Freyre, Mário de Andrade, Sérgio Buarque...).
Esses intelectuais, segundo Diegues, perceberam que, ``se a América do Norte se apresentava como pátria de todas as etnias e culturas, nós éramos a pátria das novas etnias e das novas culturas".
Diegues lembrou que, quando criança, perguntou ao pai quem era Darcy Ribeiro, e o pai respondeu: ``É o mais metido, o mais maluco e o melhor de todos nós".
O cineasta ressaltou a idéia de um projeto utópico para o país em Ribeiro. ``Se, apesar de tudo, ainda persiste a idéia de uma civilização do afeto e do prazer, é porque este deve ser o mais profundo e belo projeto inconsciente nacional."
(JGC)

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