São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1995
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Uma nova reforma agrária

JOSÉ EDUARDO DE ANDRADE VIEIRA

Os dois maiores obstáculos para o êxito dos programas de reforma agrária tentados no Brasil têm sido, de um lado, a falta de um planejamento adequado e realista pelo Incra e, de outro, seu isolamento. O remédio para o segundo problema é promover uma ligação permanente entre a autarquia e outros órgãos de administração direta ou indiretamente ligados ao Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária.
Nesta gestão, essa solução já está sendo dada, pois foi promovida uma pioneira -e, por isso, histórica- reunião da diretoria do Incra com seus delegados estaduais, alguns dos quais confessaram nunca ter mantido quaisquer contatos colegiados com os antigos dirigentes do órgão. Além disso, as Secretarias do Desenvolvimento Rural e de Política Agrícola, a Embrapa e a Conab já têm ordens expressas para procurar manter contato permanente com o Incra.
A idéia é que esses órgãos trabalhem como os cinco dedos de uma mão fechada, ajudando sempre o trabalhador rural a empunhar a enxada. Com isso, pretende-se evitar a redução da idéia da reforma agrária à mera distribuição de lotes para trabalhadores sem terra e lhe dando a verdadeira dimensão, qual seja o fornecimento às famílias assentadas de condições mínimas para que possam usufruir da terra repartida.
Reforma agrária sem extensão rural e sem distribuição de sementes não passa de demagogia, nem sempre barata.
Para superar o primeiro obstáculo, a que me referi no início deste artigo, é preciso partir do diagnóstico evidente de que, até hoje, o Incra tem seguido a reboque do movimento organizado dos trabalhadores sem terra. A rotina foi sempre a seguinte: o movimento identifica uma determinada terra, que pode ser improdutiva, e a invade. Os técnicos do Incra vêm atrás e tratam de regularizar a invasão, desapropriando-a.
Numa tentativa de evitar esse movimento de reboque automático, já anunciei publicamente que terras invadidas não serão mais desapropriadas. Não basta, contudo, dar esse passo.
O próximo passo a ser dado será a criação de um sistema de planejamento, graças ao qual o Incra possa identificar as terras passíveis de desapropriação, sem ter de esperar pela prévia sinalização do movimento político organizado dos trabalhadores sem terra.
Felizmente, o Brasil é um país de amplo território, e ainda existem muitos vazios demográficos em tal território. Em Estados como Mato Grosso, Pará e Piauí, principalmente, há áreas desabitadas de 500 mil hectares cada, que poderão servir de modelo para um novo sistema de reforma agrária, que pretendo implantar no Brasil.
Nesse sistema, o Incra desonerará o Tesouro Nacional do pagamento das desapropriações, gerando recursos próprios com a venda de parte das terras desapropriadas para a agricultura capitalista.
Os recursos adquiridos assim mais o dinheiro eventualmente a ser arrecadado com a volta do IPMF, que tenho preconizado, darão ao Incra condições para adquirir os lotes a serem distribuídos para as famílias despossuídas, no programa de reforma agrária.
A idéia é utilizar um sistema capaz de absorver a experiência capitalista da colonização, que fundou cidades e gerou muitas riquezas em vários Estados, principalmente o Paraná.
A iniciativa privada poderá ser estimulada a participar de tal esforço, pois a mistura de colonização privada com a distribuição de terras agricultáveis pelo governo na certa fundará novos núcleos populacionais, tornando regiões hoje despovoadas atraentes para a instalação de usinas de leite, supermercados, agroindústrias e bancos.
Esses núcleos habitacionais precisarão de hospitais, padarias, restaurantes e postos de gasolina e, assim, certamente, criarão um mercado consumidor para ajudar a fixar no campo o trabalhador que antes não possuía terra nenhuma.
Essa é uma nova visão do problema da reforma agrária. Tal visão contempla um problema que nunca chegou a ser enfrentado pelas administrações federais anteriores. Afinal, para evitar o êxodo rural que incha a periferia das grandes metrópoles brasileiras, não basta assentar os trabalhadores sem terra. É preciso lhes dar todas as condições de sobrevivência decente. E não apenas a estes, mas também aos milhões de pequenos agricultores, que já possuem suas terras, mas não têm como viver delas.

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