São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1995
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O coronel

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Parece provocação. No momento em que, em boa parte da América Latina, se reabre a discussão sobre os excessos cometidos pelos governos militares da região nos anos 70/80, um dos maiores Estados brasileiros coloca como secretário da Segurança Pública um ex-integrante do Doi-Codi (Departamento de Operações Internas/Centro de Operações de Defesa Interna).
Para quem não lembra, trata-se do coração do sistema repressivo montado no período autoritário. O coronel Nilton Cerqueira trabalhou no braço baiano do sistema. O Doi-Codi foi o principal responsável pelas torturas, mortes e demais violências praticadas no período.
Foi no Doi-Codi paulista, para mencionar apenas dois casos, que morreram o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho, crimes que acabaram dando origem à paulatina desmontagem do mecanismo.
Pode-se aceitar que a anistia apagou tais crimes, bem como os praticados pela parte oposta, que também os cometeu. Mas a anistia tem um efeito meramente jurídico. Não pode invadir o território da política. Há pessoas que se tornaram no mínimo inconvenientes para a convivência democrática, a partir do comportamento que tiveram durante o ciclo autoritário.
Que tais pessoas continuem a sua vida profissional mesmo nos aparelhos de segurança do Estado, pode-se ainda tolerar, num rasgo de extrema boa vontade, em nome da tal de conciliação nacional. Mas que assumam posições de relevo, aí já é ultrapassar todos os limites.
É discutível até mesmo o aspecto eficiência. No ambiente que se criou no Rio e em outras grandes cidades, pouca gente se incomodaria com o passado de uma dada autoridade se ela resolvesse o problema da violência. Mas a Folha informa que Nilton Cerqueira pediu demissão do comando da PM, em 1982, exatamente ``por não conseguir combater o jogo do bicho".
É no mínimo improvável que vá, agora, conseguir combater uma violência muito mais disseminada, organizada, poderosa e rica.
O problema do Rio, como o próprio FHC cansou-se de dizer, durante sua viagem ao Leste europeu, antes da posse, é de reorganização da Polícia Federal. E nada foi feito nesse sentido até agora.

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