São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Suicídios crescem em reservas indígenas

PAULO YAFUSSO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM DOURADOS

Erramos: 26/05/95
A reportagem "Suicídio cresce em reservas indígenas", à pág. 1-14 ( Brasil) de 21/5, e sua chamada na Primeira Página referem-se erradamente à aldeia bororo na reserva de Dourados (MS). A reserva abriga índios guaranis e terenas e tem duas aldeias chamadas Bororó e Jaguapiru. Também não está correta a referência a índios "guaranis e caiuás". Os guaranis no Brasil dividem-se nos povos caiuá, nhandeva e mpya. A reserva tem gauranis-caiuás e guaranis-nhandevas.
Em 20 de abril passado, o jovem índio Wilson Soares, 15, casado havia dois meses, enforcou-se próximo a sua casa, na reserva de Dourados, no Mato Grosso do Sul.
Como ele, outros 21 índios de cinco aldeias se mataram de 1º de janeiro e 15 de maio, estabelecendo o recorde de mais de um suicídio por semana entre os índios das reservas do Estado neste ano. Suicidaram-se em cinco meses o mesmo número de índios que em todo o ano de 94.
Os 22 suicídios se distribuíram entre cinco reservas -Dourados, Panambizinho, Caarapó, Porto Lindo e Limão Verde-, numa população total de 14.500 índios.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera anormal um índice acima de um suicídio ou tentativa de suicídio por ano para cada 10 mil pessoas.
Segundo o administrador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) de Amambai, Virgílio Clemente, é alarmante, sobretudo, o suicídio entre adolescentes: sete entre os suicídas deste ano -três moças e quatro rapazes- tinham menos de 15 anos. A maioria se deu por enforcamento.
Motivos
As mortes desnorteiam os especialistas. Há muitas especulações, e apenas isso, sobre os motivos que os levam a se matar.
Para o antropólogo e senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ), a chegada dos brancos e o processo de aculturação por que passam os índios são os fatores determinantes da onda de suicídios.
"O conhecimento que a antropologia tem sobre o suicídio dos guaranis é o mesmo que se tinha sobre a tuberculose há muitos anos ou sobre a Aids no momento. Ainda não se conhecem os reais motivos para isso", afirma o antropólogo Rubem de Almeida, 44, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que pesquisa os guaranis desde 1973.
Segundo Almeida, não há qualquer sinal de que o suicídio faça parte da cultura dessas nações.
O padre Bartolomeu Meliá, 69, que trabalha com os guaranis no Brasil e no Paraguai desde 1969, também não arrisca uma explicação certeira.
"É um fenômeno concentrado em alguns lugares", disse ele, acrescentando que "não se pode dizer que os guaranis são potenciais suicidas". No Paraguai, ocorrem apenas dois ou três casos de suicídio de guaranis por ano, segundo ele.
Meliá avalia que os prováveis motivos que levam os índio à morte voluntária são a falta de terras, a influência de religiões estranhas à sua cultura e o desequilíbrio emocional dentro da família.
Aculturação
O professor de história Antonio Brand, 46, que estuda os guaranis desde 1978, disse que é difícil determinar uma causa inequívoca.
Ele considera como prováveis fatores que contribuem para os suicídios a miséria, a redução do espaço físico onde eles vivem e a perda gradativa das práticas religiosas tradicionais.
Para o reverendo Beijamin Bernardes, 46, diretor da Missão Evangélica Caiuá, da Igreja Presbiteriana, o maior problema enfrentado pelos índios é o choque cultural. "Percebe-se a insatisfação dos índios, principalmente os adolescentes, quanto à sua condição. Vê-se seu incômodo em dizer que são índios."
A teóloga Graciela Chamorro, 36, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, conviveu com os índios da reserva de Dourados de 83 a 89. Ela concorda que não se pode afirmar com certeza as causas das mortes.
Para ela, tudo leva a crer que o principal motivo é a desagregação cultural. As mortes podem ser consequência da assimilação de costumes diferentes através da escola, religiões e seitas e do avanço da cidade sobre as aldeias.
Para Assunção Cáceres, 43, um dos líderes da aldeia bororo de Dorados, a causa dos suicídios é a bebida alcóolica. Segundo ele, a onda de suicídios começou quando as bebidas passaram a ser vendidas pelos próprios índios da reserva, o que é proibido.
Até dez anos atrás, para o índio comprar bebida, era necessário ir à cidade. Aos poucos, alguns índios começaram a fazer a venda dentro da reserva, aumentando em muito o consumo de álcool.
Cáceres defende a presença das igrejas e das seitas. Para ele, se todos os índios fossem crentes, não haveria suicídio "porque a religião não permite a bebida".

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