São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Médico diz que repetiria laudo suspeito

GEORGE ALONSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O médico-legista Pérsio José Ribeiro Carneiro, 56, acusado de atestar laudo que omite tortura em preso político assassinado durante o regime militar de 1964, diz -por meio de advogado- que assinaria o mesmo laudo outra vez.
``O corpo não fala", disse Carlos Ricardo Mílen, 40, advogado do médico, que hoje trabalha como obstetra e ginecologista.
``Ele (Carneiro) agiu certo ao descrever o que viu no corpo. Ele não tem competência para dizer o que ocorreu antes", afirma Mílen.
O Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo começou a ouvir 24 de 66 médicos-legistas acusados de colaborar com a repressão política -imposta pelo regime de 64- com laudos que confirmam as versões oficiais das mortes de opositores.
Carneiro examinou, em 1971, o cadáver de Joaquim Alencar Seixas, guerrilheiro do Movimento Revolucionário Tiradentes (de extrema-esquerda).
No laudo, Carneiro cita vários hematomas na cabeça, na nuca, no ombros, nas pernas, nos braços, na mão direita e até compressão do tórax (fratura do osso esterno).
Ao final, atestou que não houve tortura e apontou como causa da morte hemorragia interna provocada por sete ferimentos de balas.
O laudo não aponta a ordem dos ferimentos sofridos por Seixas.
Segundo a polícia, Seixas teria morrido ao ``travar violento tiroteio com órgãos da Segurança".
Perguntado sobre a razão pela qual Carneiro não pediu mais dados (embora tivesse também essa atribuição) ao constatar ferimentos que poderiam ter sido causados por tortura, o advogado disse que seu cliente não viu necessidade.
``A consciência técnica dele (Carneiro) estava satisfeita. E diante da informação de tiroteio dada pela polícia, não viu necessidade, naquele momento, de pedir mais esclarecimentos", afirmou.
Segundo Mílen, caberia ao delegado Alcides Cintra Bueno (que pediu a necropsia) e à Justiça investigar e exigir essas explicações. ``E elas não foram pedidas."
A versão da família é outra. Segundo Ivan (filho de Seixas), ele (aos 16 anos) e seu pai (então com 49 anos) foram presos em 16 de abril de 1971, às 10h, na rua Vergueiro, em São Paulo, e levados ao Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão vinculado ao Exército.
Ivan diz que viu por seis horas seu pai ser agredido: ``Ao chegar, foram tantos socos e pontapés que a algema, que nos unia, abriu".
No mesmo dia, às 20h, a polícia prendeu, diz Ivan, sua mãe e duas irmãs em casa. Às 17h, do dia seguinte, ainda no DOI-Codi, diz ter visto seu pai ainda vivo, mas muito ferido. ``Ele foi torturado por 24 horas e já estava morto quando atiraram. Isso foi feito para justificar a versão de tiroteio", afirma.
No dia 17, às 19h, a mãe de Ivan, Fanny, viu da janela da sala em que estava presa Joaquim sendo retirado, morto, do DOI-Codi.
Já, segundo a polícia, Seixas foi morto às 13h do dia 16, na av. do Cursino, e que às 14h30 o corpo deu entrada no IML. Por essa versão, às 9h do dia 17, o cadáver foi levado ao cemitério de Perus (zona leste) pelo próprio necrotério.
A família de Seixas pergunta até hoje como alguém morto no dia 17 pode ter sido necropsiado no dia 16. ``Eles nunca vão conseguir explicar isso", diz Ivan. O registro do laudo de Carneiro foi feito só no dia 19, por ``Walkiria".

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