São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Autoritarismo econômico

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

É possível que os bem-intencionados acabem por sepultar o Plano Real
O ministro Pedro Malan fulminou os críticos e comentadores das vicissitudes do plano de estabilização: são os coveiros do Real! A invectiva e a circunstância em que foi lançada lembram os pronunciamentos dos graúdos -fardados ou paisanos- que nos idos de 64 increpavam os que se opunham às suas manobras golpistas de coveiros da democracia.
É pouco provável que as vozes discordantes, em sua maioria, pretendam o enterro do Real. Mas é possível que os bem-intencionados e auto-intitulados salvadores da pátria acabem por sepultá-lo.
Há quem celebre o ``bom momento" do Plano Real. Está se revertendo a tendência aceleracionista da inflação, abafada sobretudo pela comercialização da safra agrícola; o saldo de fechamento de câmbio passou a ser superavitário -mais compras do que vendas de divisas. Muitas empresas e bancos estão conseguindo colocar novas emissões nos mercados internacionais de bônus, a prazos mais curtos e prêmios de risco mais elevados.
No embalo destas boas notícias, os responsáveis pelo governo da economia deixaram a taxa de câmbio deslizar para o fundo da banda. Aparentemente, a turma do ``senta que o leão é manso" está ganhando a parada e conseguindo convencer o sr. presidente de que é necessário dobrar a aposta. São os filhotes do Cavallo.
É ocioso explicar que, além da valorização existente, os êmulos de Domingo perseguem uma outra rodada de apreciação do câmbio, a menos que se possa vislumbrar uma rápida convergência da inflação doméstica com a internacional (leia-se americana). Há uma certa dificuldade em se lograr este intento no prazo requerido.
Sendo assim, a comitiva composta por tucanos e outros bichos, que pretende se dirigir ao sr. Presidente da República para pedir uma taxa de juros mais módica, deve botar as penas de molho.
Vejamos: a expectativa de uma desvalorização cambial transforma-se, cada vez mais, no componente elástico da formação da taxa real de juros que, acrescida da inflação esperada, fixará o nível da taxa nominal básica da economia. Nas condições atuais, ninguém aposta que ela possa ser rebaixada, tão cedo, para um nível civilizado.
Para acrescentar ofensa à injúria, os compulsórios e demais restrições quantitativas destinadas a ``conter o consumo" enfiaram um spread cavalar entre o custo de captação e a taxa de aplicação dos bancos, tornando quase suicidas os que buscam financiamento para seus negócios.
Resultado: a economia pode passar rapidamente de uma trajetória expansiva para um mergulho recessivo, causado por uma onda de inadimplementos acompanhada de uma contração violenta e endógena do crédito.
Não há dúvida de que, depois disso, será possível restaurar o superávit comercial (sem reajustar a taxa de câmbio real) e, de quebra, jogar a inflação para baixo. Causará inveja ao grande Cavallo saber que, em menos de um ano, fizemos tudo aquilo que ele levou quatro para conseguir.
Equinos à parte, é difícil aceitar que o conceito de estabilização possa estar associado a movimentos do tipo ``montanha-russa". Para quem não sabe ou não desconfiava, programas de megaestabilização fundados exclusivamente na valorização do câmbio parecem apresentar uma sequência incontornável: crescimento rápido e eufórico, pressão sobre o balanço de pagamentos, políticas restritivas e elevação dos juros, reversão do ciclo e recessão aguda. Na origem deste destino está sempre um manejo desastrado da âncora cambial.

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