São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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EUA estão à beira de um ataque de nervos

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Talvez agora seja para valer. O governo norte-americano promete taxar em até 100% importações do Japão se até 28 de junho não se conseguir chegar a um acordo comercial entre os dois governos.
Os automóveis de luxo japoneses são o alvo principal. Se não houver acordo, haverá um salto na tarifa de 2,5% para até 100%, retroativa a 20 de maio. Um tarifaço que certamente deve ter feito a ministra Dorothéa Werneck sorrir. Essa promete ser a primeira mediação mais momentosa da Organização Mundial do Comércio (OMC). O governo japonês vai recorrer a essa instituição se a sanção for colocada em prática.
A importância do atrito com o Japão não pode ser subestimada. Mas é interessante observar que a diplomacia econômica dos EUA tem sofrido em outras frentes, revelando fragilidades críticas.
O primeiro e mais estridente exemplo é o da China. A pirataria industrial, tecnológica e comercial dos chineses tem sido cantada em verso e prosa. As denúncias de trabalho escravo, corrupção estatal e dumping multiplicam-se.
Os EUA já prometeram retaliar, tirar vantagens comerciais bilaterais, entoaram um discurso de defesa dos direitos humanos. Na prática, quase nada mudou.
Mas na semana passada, ao finalmente abrir seu mercado para bancos estrangeiros, o governo chinês deu uma mensagem clara ao mundo. O primeiro banco estrangeiro a se instalar em Pequim é japonês. Segundo o governo, é uma retribuição ao empenho japonês em favor da economia chinesa.
Mas não muito longe dali, por considerar que os americanos têm sido gentis demais com os chineses continentais, os chineses de Taiwan têm dado mostras de grande irritação. Um resultado prático é que os europeus estão levando a parte do leão em contratos de obras de infra-estrutura em Taiwan (83 projetos avaliados em US$ 18,2 bilhões, contra 65 contratos obtidos pelos norte-americanos num montante de US$ 8,9 bilhões). Rusgas envolvendo múltis norte-americanas têm aumentado em número e intensidade.
China, Taiwan e Japão são apenas alguns dos pólos desequilibrados de uma política exterior cada vez mais criticada nos Estados Unidos. A realidade, finda a guerra fria, é que os EUA ainda não conseguiram montar uma estrutura de dominação à altura de substituir os esquemas de poder que ruíram com o fim da era bipolar.
Outro exemplo da dificuldade em remontar o tabuleiro são os números da ajuda dos EUA ao resto do mundo. O Congresso está debruçado sobre o orçamento, parece haver um consenso de que é necessário reduzir o déficit. Mas entre sacrificar programas domésticos ou fechar as torneiras que irrigam as ``nações amigas" não é difícil ver a linha de menor resistência.
A ajuda externa não-militar dos EUA é hoje a menor entre os países do G-7. Como proporção do PIB foi 0,15% em 1993, contra 0,26% no Japão, 0,37% na Alemanha e 0,63% na França.
Os EUA estão à beira de um ataque de nervos contra o Japão. Mas olhando com algum detalhe a sua política externa percebe-se que a crise de hegemonia é mais ampla. Os efeitos podem ser fatais se organizações autenticamente multilaterais, como a OMC, conseguirem realmente ficar de pé.

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