São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Não existe burrice reiterada

LUÍS NASSIF

A Atacado Martins, de Uberlândia, fatura 1 bilhão de dólares por ano. Tem 8 mil funcionários, 1.500 caminhões e atende a 2.500 municípios brasileiros. É razoável supor que seu lucro, no ano passado, tenha sido de 10% do faturamento, ou US$ 100 milhões.
No mesmo período, economista ligado ao grupo que planejou o Real deixou o governo, voltou para seu banco, cujo patrimônio líquido não devia chegar a US$ 2 milhões. Dispondo de uma equipe de no máximo vinte pessoas, obteve lucro estimado pelo mercado em US$ 120 milhões -mais do que o Atacado Martins. E tudo o que fez foi adivinhar o comportamento das taxas de juros e de câmbio, montar operações de arbitragem, trazer dinheiro de fora e aplicar em títulos públicos que rendiam 15% ao trimestre.
No ano passado o país viveu um caso típico de burrice reiterada, com a política cambial. Este ano, repete a dose irracional com a política monetária. À luz dessa comparação entre os resultados do superatacadista e do ex-sub-banco, fica mais fácil se convencer que, sempre que se deparar com a repetição reiterada de medidas aparentemente erradas, elas estão certas. Errados são os objetivos que se supôs que elas visariam.
Burrice reiterada
Tanto a política cambial quanto a monetária foram instrumentos supereficientes dentro do jogo preparatório para o grande ajuste patrimonial que se dará no país, a partir das próximas privatizações.
Há uma massa triliardária de chamado ``dinheiro esperto`` circulando no mundo -e, a esta altura do campeonato, espreitando o Brasil atrás da privatização. É ótimo que esteja interessado, para que se vendam bem as estatais, e se obtenha investimento abundante para irrigar a economia.
A questão política em jogo -que pode explicar as loucuras das políticas cambial e monetária- é definir quem controla a porta de entrada e recebe o pedágio.
Nos casos mexicanos e argentino, os ganhos foram para meia dúzia de famílias tradicionais, aliadas aos grupos de poder. No caso brasileiro, a porteira foi entregue a esses bancos de negócios, de maneira muito mais perspicaz e inteligente.
Ganhos reais
A derrubada do câmbio, associada às estúpidas taxas de juros praticadas, liquidaram com as exportações de manufaturados. De um lado trouxeram de volta os déficits comerciais, abrindo espaço para a entrada do capital especulativo. Do outro, permitiram a esses capitais lucros de até 13% ao trimestre, em dólares. Foi o maior festival de dinheiro fácil que esse país conheceu desde as estripulias cambiais do governo Sarney.
Os superlucros desses bancos de negócios saíram diretamente do patrimônio público, do aumento do endividamento interno, dos juros que foram pagos a esses especuladores, em cima de falsas justificativas macroeconômicas.
Agora, volta-se a repetir o mesmíssimo enredo, através dessa política monetária, com uma violência que não tem explicação no plano teórico. No plano teórico, não há nada, nem combate à inflação, nem equilíbrio da balança comercial, que justifique a paralisação completa do crédito.
As únicas coisas que vai produzir serão a volta dos lucros indecentes para esses grupos, a inviabilização financeira do Estado e a desorganização do setor privado.
O quadro vai ficar claro apenas nos próximos balanços desses bancos de negócios, e nas próximas estatísticas de inadimplência.
A coluna já alertou que seria fatal ao PSDB a contaminação com os interesses financeiros que tomaram conta da ``inteligentzia" do partido. Na semana passado o líder do partido na Câmara -deputado José Anibal- teve a coragem de denunciar essa conspiração dos juros. É bom que seu exemplo ajude o partido a acordar, enquanto é tempo.

Texto Anterior: EUA estão à beira de um ataque de nervos
Próximo Texto: Com inflação não se faz média
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.